A solidão contemporânea em “Ela”, de Spike Jonze

"Ela", de Spike Jonze

“Ela”, de Spike Jonze

O diretor e roteirista Spike Jonze sempre esteve fora dos padrões convencionais das produções hollywoodianas – vide “Quero ser John Malkovich” e “Adaptação” – e na sua mais recente assinatura, o filme “Ela”, que estreia nesta sexta-feira (14) no Brasil, não é diferente. Indicado ao Oscar, principalmente nas categorias Roteiro Original e Melhor Filme, Jonze escreveu uma brilhante obra cinematográfica sobre a solidão nos dias atuais – mesmo que o enredo ocorra no futuro próximo – em que expõe uma relação amorosa distinta das habituais, mas que não seja impossível para esta geração.

Em “Ela”, o personagem de Joaquin Phoenix é caracterizado pela vivência habitual, aquela cercada de tecnologias que fornecem todos os meios de contatos com outras pessoas, porém o que o motiva é ficar cada vez mais refugiado no seu apartamento, em situação de total solidão, tendo somente como distração os jogos de videogame e os chats de relacionamento. Recentemente separado, Theodore Twombly (Phoenix) ainda guarda resquícios da convivência a dois, percebemos através de sua memória, a relação com sua ex-esposa (Rooney Mara). Essas lembranças dos momentos bons que teve junto do cônjuge o faz recuar em assinar as papeladas da separação.

Tudo se torna apático na vida do personagem, tanto que os minutos iniciais da película o espectador cansa de acompanhá-lo em sua rotina. Esta prática corriqueira se torna o universo íntimo do protagonista. Assistimos a solidão de Theodore até mesmo quando se relaciona por meio dos chats, na tentativa de ter prazer sexual.

Diante disso, com o enredo que se passa em um futuro próximo, percebemos algumas situações que já se fazem presentes, sem fugir do convencional, Jonze explora a solidão e a cada vez mais escassa relação humana. Nestes mínimos detalhes, há a ironia e, pode-se dizer sarcasmo, por meio da cinematografia. O  colorido forte – geralmente alaranjada – marca a angústia do isolamento. A paleta clara transmite alegria onde a tristeza é que adota o ambiente. Requer explosão das personagens, mas Jonze é matuto e retém este mecanismo. O que notamos é um Theodore introspectivo. Amargurando interiormente a sua dor pelo amor, evitando mostrá-la a quem assiste. Somos os colegas que tentam extrair mais e mais. Porém, a dor íntima é um processo lento e causa amargura.

Por meio do marketing que jorra as novas tecnologias do mercado, Theodore se vislumbra pelo Sistema Operativo de Inteligência Artificial, o OS1, aplicativo moderno que possibilita ao usuário uma melhor interação com… uma “máquina” – difícil definir essa ideia elaborada por Jonze. O sistema, que tem a voz de Scarlett Johansson, denominada como Samantha, começa a fazer parte da vida de Theodore, assim como consegue por um período trazer progresso na rotina do protagonista.

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Cena de “Ela” (Foto: Divulgação)

Junto de Samantha, Theodore inicia o processo de interação com o mundo, onde estava completamente renegado por sua situação solitária. Ele começa a sair de casa, vai à praia, ao parque de diversões, sorri, além de proporcionar para sua companheira virtual ensinamentos dos costumes da sociedade. O sistema proporciona mudança sentimental no protagonista, fato notado nas cartas declamadas por Theodore na empresa que trabalha, suas cartas são elaboradas em tons mais poéticos, surge um sujeito apaixonado que não se importa em divulgar seu relacionamento com um sistema operacional, fugindo dos valores vigentes. Apoiando-se desta ideia no universo criado pelo roteirista percebe-se uma melhor interação na escolha amorosa que desejar, além de proporcionar para o espectador na atualidade a consciência para a aceitação da diversidade sexual. Nota-se que a partir de sua relação com Samantha os movimentos que acompanham o cotidiano que atravessa Theodore. Multidões, sorrisos, troca de olhares. O humano em sintonia.

Com uma atuação extraordinária, Joaquin Phoenix – ignorado pelo Oscar – dá vida a um personagem complexo, mas que não foge da análise do comportamento de nossas condutas e a vivência da solidão urbana, do tédio trabalhista e na dificuldade de se relacionar. Destaque também para a Scarlett Johansson fornecendo sua voz à Samantha, conseguindo implementar vida a um personagem inovador para o cinema desta geração.

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Joaquin Phoenix em “Ela” (Foto: Divulgação)

Spike Jonze fornece mais uma obra-prima que explora a complexidade e aprofundando no âmago do comportamento e decisões de uma sociedade múltipla, atualmente onipresente, mas que constrói um universo próprio, muitas vezes em total solidão, sem interação presencial. Jonze elaborou um brilhante roteiro que de modo sutil fornece a extraordinária representação desta geração, mostrando as amarguras e sentimentos em que a tecnologia não conseguiu fornecer mecanismo para suprir – até o momento.

“Ela” é um filme que precisa ser assistido inúmeras vezes. Faz refletir e cada momento visto é um aprendizado sobre a nossa relação com a Tecnologia e, como Marshall Berman gosta de citar em Marx em torno da sociedade moderna: “Tudo que é sólido desmancha no ar”. No entanto, como o pôster de “Ela” informa: é uma história de amor nos métodos de Spike Jonze. E isso prevalece na obra.

Ela (Her, 2013)

Direção: Spike Jonze

Elenco: Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson, Rooney Mara e Amy Adams

 Jorge Filholini
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2 comentários sobre “A solidão contemporânea em “Ela”, de Spike Jonze

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