“Eu não quero sobreviver, eu quero é viver”, falou Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor) quando cai em si sobre sua condição como escravo. Condição esta que duraria mais de uma década. “12 Anos de Escravidão”, que estreia nesta sexta-feira (21) no Brasil, retrata um tema diferente em torno do período escravagista estadunidense, onde um afrodescendente nortista é sequestrado e feito escravo no Sul dos Estados Unidos. Vencedor do Globo de Ouro, BAFTA e diversos outros prêmios na categoria melhor filme, além das nove indicações ao Oscar, a obra cinematográfica é o recorte histórico da situação lamentável que a população afrodescendente, parafraseando Solomon, tentou viver.
O novo filme do diretor Steve McQueen – Hunger (2008) e Shame (2011) – adapta o livro autobiográfico de Solomon Northup que relata o sequestro cometido a ele, transformando-o em escravo no Sul dos Estados Unidos. O britânico Chiwetel está notável no papel de Solomon, demonstrando em seu personagem a angústia e sofrimento submetido nas colheitas de algodão, tendo como seu algoz a ira dos brancos que não enxergavam a transformação social que o período necessitava. Afrodescendente nascido livre em Nova York, culto e violinista, Solomon é homem de família e constrói a vida como legítimo cidadão estadunidense do século XIX. Ludibriado por um falso emprego como músico, foi sequestrado e feito escravo no Sul.
A direção de McQueen é convincente, sempre seguro retrata as mazelas do período, mostrando situações retrógradas da sociedade sulista em ainda recorrer à escravidão como mão de obra nas fazendas. Nas cenas de câmera parada McQueen constrói um quadro – a cena inicial em que mostra os rostos assustados dos escravos na plantação de cana-de-açúcar é impecável – fotográfico, tornando um registro histórico da situação escravagista. Mas é no plano-sequência que o diretor sempre se destacou, principalmente na parte do açoite a Patsey (falarei mais adiante).
Os métodos dos donos de fazenda por onde Solomon passa é o retrato da cultura tradicional enraizada no poder de utilizar negros como mercadorias. Michael Fassbender está extraordinário no papel do fazendeiro Edwin Epps, que segue a doutrina religiosa para manter ordem em sua propriedade. Epps é a característica do homem sulista na época que não tinha cautela para castigar suas “mercadorias”, ele mesmo definia esta categoria, alegando ter o poder divino de tirar a vida de seus serviçais se for preciso.
Na mesma propriedade surge a melhor personagem da película, Patsey (Lupita Nyong’o, atuação impecável) é o desejo de Epps e a escrava que mais demonstra “bons serviços” na colheita de algodão. Personagem complexa, Patsey se equilibra na corda de representar seu povo na senzala e submeter aos mimos de Epps na Casa Grande. Lupita faz de sua interpretação notável quando esbarra por Solomon, enxergando nele a alternativa de fuga, porém escapar não das terras de Epps, mas até mesmo no pedido de ser liberta de sua própria vida – a sequência em que Patsey está no tronco recebendo chicotadas é marcante e única que se eternizará no imaginário do espectador.
No entanto, “12 anos de Escravidão” peca pela falta de aprofundamento de seus personagens, o espectador logo no início já fica convincente das características dos protagonistas. A fase na fazenda de Epps é muito longa, tendo algumas sequências desnecessárias para a trama, além do personagem de Brad Pitt (que fez uma ponta porque assina a produção do filme) retratado como o branco herói do filme e causador da libertação de Solomon, mas com uma ideologia superficial – o diálogo que se estabelece com Epps é fraco. Outros com a persona estereotipada – Paul Dano e Paul Giamatti que são incríveis atores fazendo papeis típicos de personagens das novelas da Globo. Somente a personagem de Lupita é que tem mais complexidade, submetendo a uma sutil análise da transformação do afrodescendente americano na sociedade vigente.
A maioria da critica apontou “12 anos de Escravidão” como o filme “definitivo” sobre o preconceito contra os afrodescendentes, bem como em relação à escravidão, mas estão equivocados. Outros filmes com o mesmo tema surgirão no decorrer dos anos, com relatos mais aprofundados e abrindo reflexões sobre a crítica abordada. McQueen foi genial em trazer à tona uma temática esquecida – que a maioria da população americana quer deixar debaixo do tapete – de um período onde os direitos sociais para os cidadãos afrodescendentes estavam apenas no papel. Convenhamos atualmente muitos casos continuam assim. Fatos recentes ainda estão sendo abordados tendo o preconceito racial em primeiro escalão, principalmente no Brasil.
“12 Anos de Escravidão” é um filme poderoso, merecendo todos os méritos que vem conseguindo desde seu lançamento, porém este é apenas o início de abordar temáticas em torno da escravidão que dialoga com a sociedade dos dias atuais, para tornar reflexivo no espectador que o preconceito e a escravidão não são temas para serem esquecidos e devem ser retratados com dimensão extrema.
12 Anos de Escravidão (12 Years A Slave, 2013)
Direção: Steve McQueen
Gênero: Drama
Elenco: Chiwetel Ejiofor, Michael Fassbender, Lupita Nyong’o, Paul Dano, Benedict Cumberbatch.
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