Alucinação de Belchior dialogando com a nossa época

Capa do disco "Alucinação"

Capa do disco “Alucinação”

A alucinação é o mote ideal dos versos compostos pelo cantor Belchior. Sua visão poética da metrópole paulistana da década de 1970 ainda dialoga com a nossa época, assim como a tradição enraizada nas mentes dos jovens militantes do período nebuloso do país, profetizando que no fim “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”.

Curta a página do Livre Opinião no Facebook e fique por dentro de tudo no mundo das artes e da cultura

Belchior, maestro genioso, de voz grave, não precisava de gogó, somente necessitava declamar os versos de um simples rapaz latino americano que brigou pela liberdade de expressão, mudanças sociais e o conflito interno de se encaixar na sociedade múltipla, desencadeou em um clássico da música brasileira: o álbum “Alucinação”, de 1976.

No disco, sucessos que consagraram Belchior e, sem exagero, transformaram-no em uma lenda viva. “Como Nossos Pais” e “Velha Roupa Colorida”, de seus versos imortalizados na voz única de Elis Regina, transcenderam para a vida de gerações. O árduo serviço de um poeta que transmitiu a angústia da tradição familiar grudada na juventude, em que demonstra a rebeldia passageira, mas necessária de enfrentamento da vida, tendo como combustível a raiz cultural e o não abandono do sonho, sangue e América do Sul, muito a presença da identidade que construímos –  ditas em “À Palo Seco”.

“[…]

Tenho 25 anos de sonho, de sangue

E de América do Sul

Por força deste destino

Um tango argentino

Me vai bem melhor que um blues

Sei que assim falando pensas

Que esse desespero é moda em 76

E eu quero é que esse canto torto feito faca

Corte a carne de vocês”.

A força desta música invade o interior da mente e luta contra a moda exterior, finca a necessidade da cultura em que está inserido de nascença, não negando o lirismo e o jogo poético elaborado pelo cantor.

O ponto de vista contra o governo militar é outro aspecto importante de “Alucinação”. Em “Como o Diabo Gosta” nota-se um anúncio para lutar contrária à conduta militar, rasgando regras e, principalmente, o embate do novo e a tradição imposta:

“Não quero regra nem nada

Tudo tá como o diabo gosta, tá,

Já tenho este peso, que me fere as costas,

e não vou, eu mesmo, atar minha mão.

 

O que transforma o velho no novo

bendito fruto do povo será.

E a única forma que pode ser norma

é nenhuma regra ter;

é nunca fazer nada que o mestre mandar.

Sempre desobedecer.

Nunca reverenciar”.

O cantor Belchior

O cantor Belchior

“Alucinação” transmite diversas interpretações, mas no período em que foi lançado é possível identificar as críticas direcionadas ao sistema ditatorial vigente. Não que o álbum esteja parado no tempo, o título deste artigo força mostrar que existe muito em se encontrar nas letras geniais de Belchior na nossa geração. Em “Alucinação” o cotidiano é fonte de inspiração do poeta Belchior, as passagens em uma metrópole heterogênea, dos acontecimentos e desencontros habituais.

Teorias negadas, pois a convivência é que se torna prática, observar à espreita as situações problemáticas e tentar entendê-las ou transmitir o que era antes negado pela sociedade. No entanto, embutido a isto está presente a solidão urbana, o individualismo ainda em construção – sinal profético de Belchior para a globalização e suas práticas -, os vocábulos que vem de fora introduzidos na rotina e a violência gratuita acostumada no concreto cinza manchado de vermelho.

“[…]

A minha alucinação é suportar o dia-a-dia,

E meu delírio é a experiência com coisas reais

Um preto, um pobre, um estudante, uma mulher sozinha

Blue jeans e motocicletas, pessoas cinzas normais

Garotas dentro da noite, revólver: cheira cachorro

Os humilhados do parque com os seus jornais

Carneiros, mesa, trabalho, meu corpo que cai do oitavo andar

E a solidão das pessoas dessas capitais

A violência da noite, o movimento do tráfego

Um rapaz delicado e alegre que canta e requebra, é demais

Cravos, espinhas no rosto, Rock, Hot Dog, “play it cool, Baby”

Doze Jovens Coloridos, dois Policiais

Cumprindo o seu (maldito) duro dever e defendendo o seu amor e nossa vida

Cumprindo o seu (maldito) duro dever e defendendo o seu amor e nossa vida

[…]

Compositor preocupado que cegou a censura e tentou acordar os alienados, aquela sensação mórbida pede urgência em rasgar a carne e transmitir na consciência uma nova fuga. Para onde? Não importa, o necessário é subir no muro e enxergar o horizonte. Belchior enxergou, foi além! Alucinado ou não, o instrumento utilizado por Belchior, suas canções, é cortante e invade a mente das gerações.

“Alucinação” é insano, atemporal e célebre, seu construtor um gênio de nossa música brasileira. Belchior, misterioso latino americano, transcendeu suas letras e moldou a mente de gerações. O disco, importante registro que dialoga com os nossos dias e nossas condutas, faz sua própria regra, transmite interpretações diversas e consagrou Belchior como um dos expoentes da nossa cultura.

 

jorge-filholini2

Publicidade

6 comentários sobre “Alucinação de Belchior dialogando com a nossa época

  1. Pingback: Música (é Magia) Para Todos - RJ

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s