A alucinação é o mote ideal dos versos compostos pelo cantor Belchior. Sua visão poética da metrópole paulistana da década de 1970 ainda dialoga com a nossa época, assim como a tradição enraizada nas mentes dos jovens militantes do período nebuloso do país, profetizando que no fim “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”.
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Belchior, maestro genioso, de voz grave, não precisava de gogó, somente necessitava declamar os versos de um simples rapaz latino americano que brigou pela liberdade de expressão, mudanças sociais e o conflito interno de se encaixar na sociedade múltipla, desencadeou em um clássico da música brasileira: o álbum “Alucinação”, de 1976.
No disco, sucessos que consagraram Belchior e, sem exagero, transformaram-no em uma lenda viva. “Como Nossos Pais” e “Velha Roupa Colorida”, de seus versos imortalizados na voz única de Elis Regina, transcenderam para a vida de gerações. O árduo serviço de um poeta que transmitiu a angústia da tradição familiar grudada na juventude, em que demonstra a rebeldia passageira, mas necessária de enfrentamento da vida, tendo como combustível a raiz cultural e o não abandono do sonho, sangue e América do Sul, muito a presença da identidade que construímos – ditas em “À Palo Seco”.
“[…]
Tenho 25 anos de sonho, de sangue
E de América do Sul
Por força deste destino
Um tango argentino
Me vai bem melhor que um blues
Sei que assim falando pensas
Que esse desespero é moda em 76
E eu quero é que esse canto torto feito faca
Corte a carne de vocês”.
A força desta música invade o interior da mente e luta contra a moda exterior, finca a necessidade da cultura em que está inserido de nascença, não negando o lirismo e o jogo poético elaborado pelo cantor.
O ponto de vista contra o governo militar é outro aspecto importante de “Alucinação”. Em “Como o Diabo Gosta” nota-se um anúncio para lutar contrária à conduta militar, rasgando regras e, principalmente, o embate do novo e a tradição imposta:
“Não quero regra nem nada
Tudo tá como o diabo gosta, tá,
Já tenho este peso, que me fere as costas,
e não vou, eu mesmo, atar minha mão.
O que transforma o velho no novo
bendito fruto do povo será.
E a única forma que pode ser norma
é nenhuma regra ter;
é nunca fazer nada que o mestre mandar.
Sempre desobedecer.
Nunca reverenciar”.
“Alucinação” transmite diversas interpretações, mas no período em que foi lançado é possível identificar as críticas direcionadas ao sistema ditatorial vigente. Não que o álbum esteja parado no tempo, o título deste artigo força mostrar que existe muito em se encontrar nas letras geniais de Belchior na nossa geração. Em “Alucinação” o cotidiano é fonte de inspiração do poeta Belchior, as passagens em uma metrópole heterogênea, dos acontecimentos e desencontros habituais.
Teorias negadas, pois a convivência é que se torna prática, observar à espreita as situações problemáticas e tentar entendê-las ou transmitir o que era antes negado pela sociedade. No entanto, embutido a isto está presente a solidão urbana, o individualismo ainda em construção – sinal profético de Belchior para a globalização e suas práticas -, os vocábulos que vem de fora introduzidos na rotina e a violência gratuita acostumada no concreto cinza manchado de vermelho.
“[…]
A minha alucinação é suportar o dia-a-dia,
E meu delírio é a experiência com coisas reais
Um preto, um pobre, um estudante, uma mulher sozinha
Blue jeans e motocicletas, pessoas cinzas normais
Garotas dentro da noite, revólver: cheira cachorro
Os humilhados do parque com os seus jornais
Carneiros, mesa, trabalho, meu corpo que cai do oitavo andar
E a solidão das pessoas dessas capitais
A violência da noite, o movimento do tráfego
Um rapaz delicado e alegre que canta e requebra, é demais
Cravos, espinhas no rosto, Rock, Hot Dog, “play it cool, Baby”
Doze Jovens Coloridos, dois Policiais
Cumprindo o seu (maldito) duro dever e defendendo o seu amor e nossa vida
Cumprindo o seu (maldito) duro dever e defendendo o seu amor e nossa vida
[…]
Compositor preocupado que cegou a censura e tentou acordar os alienados, aquela sensação mórbida pede urgência em rasgar a carne e transmitir na consciência uma nova fuga. Para onde? Não importa, o necessário é subir no muro e enxergar o horizonte. Belchior enxergou, foi além! Alucinado ou não, o instrumento utilizado por Belchior, suas canções, é cortante e invade a mente das gerações.
“Alucinação” é insano, atemporal e célebre, seu construtor um gênio de nossa música brasileira. Belchior, misterioso latino americano, transcendeu suas letras e moldou a mente de gerações. O disco, importante registro que dialoga com os nossos dias e nossas condutas, faz sua própria regra, transmite interpretações diversas e consagrou Belchior como um dos expoentes da nossa cultura.
Bom comentário!!!
Alucinação, este álbum, esta eternizado nas mentes cultas deste país..
Grande Bélqui, meteu o pé em tudo, tá certo. Esse álbum é grandioso, genial. A capa é alucinante mesmo.
Belchior e uma lenda viva sou muito fan, e o maior genio da mpb.
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SENSACIONAL!!!