O ator e diretor Caco Ciocler foi até o texto do filósofo Jean-Paul Sartre para dirigir seu quarto espetáculo teatral. Em No Exit – Entre Quatro Paredes, Caco Ciocler decidiu seguir integralmente o texto do filósofo francês, com cenário simples – todo feito de papelão –, ficando apenas a cargo das interpretações do elenco, que conta com Chris Couto, Sabrina Greve, Daniel Infantini e Ando Camargo, mostrar ao público os diálogos marcantes do texto sartriniano.
O espetáculo conta a história de três indivíduos que são condenados a conviver juntos no inferno. Garcin (Daniel Infantini) é um homem letrado, com pretensões heroicas, mas covarde. Seu maior tormento é ter desvendada sua condição de covardia, que não pode ser mudada. Estelle (Sabrina Greve) é uma fútil burguesa que ascendeu socialmente através do casamento, mas em nome de seu conforto, assassinou o próprio filho. Inês (Chris Couto) é uma funcionária dos correios. Seduziu a mulher de um amigo provocando um verdadeiro desastre na vida dos três, mas admite suas culpas sem delegar responsabilidades. Existe ainda um quarto personagem, o Criado (Ando Camargo), funcionário do inferno responsável por trazer cada um dos indivíduos à sala.
Em entrevista ao Livre Opinião – Ideias em Debate, Caco Ciocler comentou como havia chegado ao texto de Sartre: “Meus últimos projetos teatrais surgiram todos de conversas com meu analista”. Ele explicou sobre a opção de dirigir o texto integral da peça do filósofo francês: “Isso foi uma coisa minha mesmo. Quando comecei a ensaiar ouvi muita gente dizendo que não fazia sentido montar esse texto sem uma adaptação, sem cortes. Isso sempre me soou meio absurdo”.
Caco também comentou sobre a recepção do público: “Não faço mais teatro para o público e sim para indivíduos. Isso é muito libertador”, além da importância do teatro e como atrair o jovem para assistir os espetáculos teatrais: “Quer atrair o público jovem para o teatro? Tem que ensinar o jovem a assistir teatro. Porque o jovem está indo ao teatro atrás de outra coisa, não de teatro”. Confira a seguir a entrevista na íntegra.
Livre Opinião: Primeiramente: como você chegou até este texto do Sartre? E o porquê de dirigi-lo?
Caco Ciocler: Meus últimos projetos teatrais surgiram todos de conversas com meu analista. Sempre que a gente abordava determinado assunto, chegava inevitavelmente a uma obra teatral ou da literatura. E eu “usava” o teatro para mergulhar e falar sobre aquilo que vinha pesquisando em mim. Com o texto do Sartre não foi diferente. Uma semana depois de ter falado dele na minha análise o produtor me convidou para dirigi-lo. Era muita coincidência para ser coincidência.
Por que você resolveu incluir o prefixo “NO EXIT”?
A tradução da peça para o Português: ENTRE QUATRO PAREDES, na minha opinião, não provoca a sensação claustrofóbica da peça. Sugere mais intimidade do que claustrofobia. A tradução para o inglês (Sem saída) traduz muito melhor a situação desses quatro personagens e até de toda a filosofia Sartriniana. Gostei do NO EXIT assim, em inglês, porque nos remete ao imaginário daqueles luminosos das saídas de emergência. É isso! Os personagens estão num lugar fechado e sem saídas de emergência. Acabei deixando o reto do nome por uma insistência da produção, para que as pessoas reconhecessem o texto.
O texto do Sartre é enxuto, conta com poucos atores e também poucos recursos cênicos. Ainda assim, do papelão das poltronas ao diretor atrás dos palcos, houve alguma mudança desde a estreia da peça em 2013?
Esse texto nasceu de uma encomenda de uma atriz, amiga do Sartre, que precisava trabalhar, na crise Francesa, e pediu ao amigo uma peça enxuta, com poucos atores, barata e com um cenário simples, que pudesse viajar por toda a França sem grandes custos. O que fiz foi ser fiel a isso. Quis ser fiel ao Sartre, só isso. A peça não mudou nada estruturalmente, mas sei que ela acontece (ou não acontece) dependendo do jogo que os atores conseguem estabelecer em cena. Então, é uma peça que muda muito a cada apresentação. Na verdade, a peça acontece quando os atores conseguem um “não jogo” em cena. Se há jogo, então estabelecesse intimidades e isso prejudica o caráter Sartriniano da não devolução do próprio reflexo a partir do outro. A peça existe quando a intimidade não consegue se estabelecer. Aí sim, nasce o isolamento desesperador desse inferno. Mas, conforme os atores foram se sentindo à vontade com a peça, foi ficando cada vez mais difícil reproduzir a falta de intimidade. Então, em última análise, a peça mudou muito sim.
E como foi o processo de escolha pelo texto integral? Quais os desafios da escolha de não adaptá-lo?
Isso foi uma coisa minha mesmo. Quando comecei a ensaiar ouvi muita gente dizendo que não fazia sentido montar esse texto sem uma adaptação, sem cortes. Isso sempre me soou meio absurdo. Por que as pessoas gostavam do texto, mas achavam absurda a ideia de montá-lo sem cortes ou adaptações? Então as pessoas gostavam da sinopse, da ideia, não da peça, pensava. Como era possível que a gente tivesse escolhido montar esse texto e agora estivesse se convencendo de que ele não parava em pé? Sartre, em sua filosofia, chama a responsabilidade da vida para o homem. Não há desculpas. O Homem, e só ele, é responsável pela dimensão que tem sua vida. Achei justo com Sartre que eu cobrasse isso dos atores. Não era o texto que tinha que se adaptar ao nosso tamanho, éramos nós que tínhamos que chegar a ter o tamanho do texto.
Você é um artista múltiplo e já percorreu todos os projetos em diversas mídias – Cinema, Teatro e Televisão. No seu ponto de vista e experiência, qual destes segmentos culturais ainda tem a maior importância como formador de atores?
Eu acho que cada segmento cultural, como você chamou, tem suas particularidades, seus objetivos, suas leis e seus desafios. Conheço bons atores de teatro que não funcionam tão bem na TV ou no cinema e vice-versa. Acho que a gente tem que parar de querer colocar esses três segmentos no mesmo saco. Como disse, cada um tem seus objetivos e suas peculiaridades. Não vá ao teatro querendo ver televisão. E não veja televisão querendo enxergar teatro. O Cinema usa o ator, não é do ator.
O que você tem sentido sobre a recepção da peça? Como é lidar com o público sendo o diretor de um texto tão denso? O inferno são mesmo os outros?
Como diria meu amigo Roberto Alvim [dramaturgo, diretor e professor de Artes Cênicas], não tem mais sentido falar de público como uma massa homogênea. Não faço mais teatro para o público e sim para indivíduos. Isso é muito libertador. Posso mostrar o mesmo quadro do Picasso, por exemplo, para duzentos indivíduos e cada um deles terá uma experiência deferente. E isso é lindo. A experiência que cada um de nós tem (ou se permite ter) diante de uma obra de arte é responsabilidade muito mais nossa do que da obra em si. Já fizemos sessão com mais de um crítico na plateia, (na mesma sessão), e cada um deles teve uma experiência completamente distinta. Um amou, o outro odiou! O que isso diz sobre a obra? O que isso diz sobre cada um deles? Entende? Quer gostar da peça, então não fique lutando contra ela, não fique projetando nada sobre ela, ou tentando se reconhecer nela. O teatro não é mais para você se reconhecer. O teatro é para proporcionar uma experiência nova e desconhecida. Então, a decisão de embarcar nessa viagem arriscada ou ficar se segurando na cadeira é de cada expectador. Aí, não é mais uma questão de gostei ou não gostei, entende? É muito maior do que isso! Sim, o inferno são os outros. Na medida em que ainda somos muito dependentes da devolução da nossa própria imagem pelo outro.
Recentemente, em um programa de entrevistas, um ator iniciante colocou sua posição contrária ao gosto do teatro, colocando em discussão o formato deste segmento nos dias de hoje. Este tipo de posicionamento/questionamento não é novo – vide o caso, por exemplo, da Literatura –, mas tornou-se o centro das atenções justamente por ser a opinião de um ator que tem um grande público. Assim, a seu ver, o Teatro ainda tem sua importância na atualidade e, para você que está envolvido profundamente em espetáculos teatrais, o que deve ser feito para atrair o público mais jovem, tendo como exemplo uma peça existencialista de Sartre?
Eu acho que a gente tem que começar a diferenciar entretenimento cultural de arte. O Brasil é muito rico em manifestações culturais, mas o brasileiro tem muito pouco contato com arte. Quer atrair o público jovem para o teatro? Tem que ensinar o jovem a assistir teatro. Porque o jovem está indo ao teatro atrás de outra coisa, não de teatro.
Você vai a qualquer bom museu do mundo e coloca aquele fone que te explica o caminho que percorreu Picasso (só para não fugir do exemplo) para chegar àqueles quadros aparentemente infantis! Um olhar virgem pode enxergar um quadro abstrato e achar que aquilo não passa de um monte de rabisco, simplesmente porque não representa figurativamente a realidade que conhece, mas esse olhar pode ser educado a olhar esse quadro justamente como a negação da simples representação figurativa da realidade e como uma reinvenção dessa realidade. E esse salto pode gerar nesse olhar um novo olhar para o mundo!
A gente pode e deve ser educado a olhar uma obra de arte. O teatro não é entretenimento. Não é para você esquecer da vida por algumas horas. Não vá ao teatro tentando reconhecer ali sua vida. Isso a TV ou o cinema já te oferecem. E muito melhor. O Teatro é chato porque não serve para isso. É preciso aprender a olhar teatro, é preciso entender que o teatro tem uma linguagem própria, leis próprias e pode te oferecer uma nova possibilidade de existência. É preciso que os jovens ouçam sobre o teatro, que aprendam a ler e a ver teatro.
Entrevista: Jorge Filholini e Vinicius de Andrade.
★
Boa entrevista. Legal o processo criativo a partir das conversas com o psicanalista, da assunção de um papel do teatro na relação com os indivíduos no público e a visão do Caco Ciocler em se avaliar melhor diretor que ator.. e eu gosto de seu trabalho como ator. Queria ver a peça, mas como só tem em SP (e eu sou de GO) vou me contentar com a leitura de Sartre, rs.
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