Em entrevista, o diretor teatral Mário Bortolotto fala sobre a peça “Killer Joe”

Arte: André Kitagawa

Arte: André Kitagawa

O diretor de teatro, dramaturgo, ator e autor, Mário Bortolotto, apresenta mais um grande espetáculo. “Killer Joe” tem direção de Bortolotto a partir do texto escrito por Tracy Letts, sendo a primeira montagem para o teatro nacional. No elenco estão Carcarah, Ana Hartmann, Gabriel Pinheiro, Aline Abovsky e Fernão Lacerda, a peça está em cartaz sextas e sábados, 21h30, e domingos às 20 horas. no Teatro Cemitério de Automóveis, em São Paulo.

Mário Bortolotto

Mário Bortolotto

O espetáculo é ambientado dentro de um trailer – destaque para o cenário muito bem construído para simular o local -, em que retrata uma família desestruturada de Dallas, no Texas, e a convivência conturbada entre eles. No enredo, reviravoltas e violências brilhantemente desenvolvidas por Letts e mantidas integralmente por Bortolotto, que mesmo  ambientada nos EUA consegue dialogar com as condições familiares do Brasil.

Devendo dinheiro para traficantes, Chris Smith (Gabriel Pinheiro) elabora um plano, juntamente com seu pai (Fernão Lacerda) e madrasta (Aline Abovsky), e contrata os serviços de um matador, Killer Joe Cooper (Carcarah), para assassinar a própria mãe e ficar com o seguro de vida dela. De imediato, Joe recusa o serviço, porque trabalha apenas com pagamento adiantado, mas depois de conhecer a irmã de Chris, a pequena Dottie (Ana Hartmann), Joe retoma a negociação e faz um acordo de ter Dottie como um “sinal” até o pagamento ser feito.

O Livre Opinião teve a oportunidade de conferir o espetáculo do último sábado (21) e assistiu a uma peça completamente intensa. O espetáculo conduz a plateia para dentro do trailer a observar toda a elaboração do plano, assim como a ingenuidade da família em mergulhar nas situações perigosas proporcionadas pela presença de Killer Joe, tanto é a aproximação com o público que são apresentadas cenas de nudez, segredos e violência. Ums incrível apreciação.

O elenco está formidável, Carcarah, em extraordinária atuação, aterroriza como Killer Joe Cooper, sua marcação muito bem efetuada de fala mansa está impecável, conduz ótima construção nos diálogos, de forma perspicaz consome todos os membros da família, ou seja, seu personagem chegou para causar caos. Outro destaque é a brilhante interpretação de Ana Hartmann no papel de Dottie. Convincente, retrata uma criança no conflito entre sonho e realidade no ambiente amoral que habita. Ana desenvolve um ótimo trabalho em todo decorrer do espetáculo, mostrando competência no desenvolvimento de uma personagem complexa.

Gabriel Pinheiro constrói firmemente seu personagem causador de levar o caos para dentro de casa, admirável atuação, conduzindo toda a trama de modo certeiro em um papel bem construído pelo ator. Os atores Aline Abovsky e Fernão Lacerda fecham o elenco com personagens importantes para o enredo, Fernão faz um pai completamente fútil que acaba caindo na conversa do filho de matar a ex-esposa sem dar conta da desordem atribuída à família. Seu personagem não tem o poder de chefe de família, ingênuo deixa-se influenciar por todos. Aline contracena uma das cenas mais grotescas da peça, comandando uma personagem complexa e de importância para o enredo.

Mário Bortolotto concedeu uma entrevista ao Livre Opinião e explicou o processo criativo para a elaboração do espetáculo, assim como a preparação do elenco para a peça. Ele comentou sobre a decisão de dirigir o texto integral de Tracy Letts e a temática da família desestruturada no enredo. Confira a entrevista na íntegra:

"Killer Joe"

Cena de “Killer Joe”

Livre Opinião: Como você chegou ao texto de Tracy Letts? Ele é um dramaturgo que você sempre acompanhou? E por que escolher o texto de  “Killer Joe” para dirigir?

Mário Bortolotto: O Carcarah, que é o produtor da peça, foi quem me apresentou o texto. Eu não conhecia. Logo depois assisti ao filme e aos filmes que são baseados em textos dele: “August” e “Bugs”. Eu aceitei dirigir porque gostei muito do texto. Sou o tipo de diretor que só dirige se gostar do texto. É um universo que me é familiar esse de famílias desestruturadas.

O enredo aborda uma família desestruturada da classe baixa estadunidense. Para você, esse texto e situações peculiares dialogam com a estrutura da família brasileira atual?

Família é igual em todo lugar. É uma espécie de zona de conforto das pessoas. As pessoas se sentem protegidas sob o manto familiar, o que é uma ilusão. Ninguém tá protegido de nada. Muito mal já se fez em nome da “família”. É uma coisa que remonta à Máfia. Eu sempre acho perigoso esse amor incondicional pai-filhos/filhos-pais. As pessoas continuam sendo boas e más, independente dos laços que elas estabelecem.

Você decidiu utilizar o texto integral de Tracy Letts. Por que essa escolha?

Eu sempre quero ser o mais fiel possível ao autor. Eu também sou autor e não gosto que tomem liberdades com os meus textos. Então, quando eu dirijo o texto de outro autor, sempre procuro ser o mais fiel possível. E no final, você ainda percebe que essa opção de fidelidade só fez bem ao espetáculo. Se eu acho que posso escrever melhor que o autor, então eu que vá escrever o meu próprio texto. Não preciso pegar o texto de outro autor e ficar mexendo nele.

Ana Hartmann

Ana Hartmann interpreta Dottie Smith

Para este espetáculo, como foi a escolha do elenco, pois existem personagens bastante complexos – cito os personagens de Killer Joe Cooper e Dottie Smith -, para você qual foi o processo de análise na escolha de elenco ou foi tudo entre amigos?

Foi entre amigos, é claro. Mas é preciso ser criterioso na hora da escolha dos personagens. Se você erra, ferra com a montagem. Por exemplo, o Carcarah queria na verdade fazer o papel do Filho e queria que eu fizesse o papel do “Killer Joe”. Eu me acho muito velho pra fazer o “Killer Joe” e usei esse argumento.

Então, ele me falou para eu fazer o papel do pai. Mas na verdade eu queria mesmo era dirigir de fora essa peça (gosto de dirigir de dentro também) para ficar mais livre e cuidar apenas da direção e não ter que ficar preocupado com o meu personagem. Por isso chamamos o Fernão para fazer o Pai e eu coloquei o Carcarah para fazer o “Killer Joe”.

A escolha da Aninha para fazer a Dottie foi do Carcarah. Eu só aprovei. É o segundo trabalho profissional dela, sendo que no primeiro ela não tinha exatamente um personagem. Eu a vi em um trabalho de finalização de oficina. E gostei muito. A Aline e o Gabriel já trabalham comigo há muito tempo. São parceiros e ótimos atores.

No seu espetáculo há influência do filme dirigido por William Friedkin? Teve alguma inspiração na interpretação de Matthew McConaughey ou você decidiu apenas seguir o texto colocando uma visão original no personagem título?

Há influência sim. Eu me deixo influenciar por tudo que é bacana, e o filme do Friedkin é muito bom. Mas o que é diferente é a abordagem dos atores. Não adianta você idealizar totalmente o personagem. Tem que esperar para ver o que o ator traz até você e a partir daí ir vendo, como diretor, o que pode acrescentar ou tirar.

O cenário é um dos destaques da peça, bem como os arranjos técnicos – o que os tonam personagens à parte no espetáculo. Você poderia explicar esse processo de criação da direção de arte e técnica em “Killer Joe”?

Seria mais fácil perguntar para eles. Dei toda a liberdade para eles criarem e corresponderam totalmente à minha confiança. Tive que vetar pouca coisa. Eles sabiam o que estavam fazendo e embarcaram totalmente na proposta da direção.

"Killer Joe"

Cena de “Killer Joe”

Os diálogos – que são marcas nos textos de Tracy Letts – causam impressões fortes no texto, algo que deixou no filme um pouco perdido. Na peça dirigida por você esses diálogos são essenciais no desenvolvimento do espetáculo, havendo um sutil humor negro e causando a construção do caráter dos personagens. Foi difícil na pré-produção trabalhar com o desenvolvimento desses diálogos?

Não. Dialogo é a minha praia. É onde eu me sinto melhor, tanto escrevendo como dirigindo. Na verdade foi muito tranquilo. Acho que no cinema, eles se perderam um pouco pela vontade do diretor em distribuir as cenas fora do trailer. Quando você concentra toda a ação em um lugar só, reforça as qualidades ou até os defeitos dos diálogos. É um risco que nós de teatro temos que correr.

Na apresentação do sábado (21/06), em que o Livre Opinião acompanhou, aconteceu uma situação inusitada. Uma pessoa da plateia saiu no meio da peça aparentando insatisfação com o espetáculo. Para você a razão de dirigir “Killer Joe” foi de querer incomodar o público? Outro aspecto, a seu ver muitos espectadores precisam ainda entender um espetáculo alternativo e de texto que aborda situações complexas e violentas do cotidiano?

É normal as pessoas saírem de um espetáculo. Eu não vejo problema nisso, embora eu mesmo não goste (e não faça) de fazer isso. Acho que é falta de educação com o elenco. Por isso sempre verifico a duração da peça, e aí eu quero ter certeza de que vou conseguir ver até o final.

No caso do nosso teatro é ainda pior, já que é um teatro pequeno e qualquer movimento da plateia fica muito perceptível. E no caso especifico desse dia, o cara saiu esbravejando, batendo a porta, chamando a atenção para ele. Ficou evidente que ele queria que todos soubessem que ele não tinha gostado do espetáculo, como se a opinião dele fosse muito importante para todos naquela sala, incluindo elenco e plateia.

Achei muito deselegante. Eu não faço peça para perturbar ninguém, mas quando escolho fazer uma peça não fico preocupado se ela vai perturbar. Só quero ser o mais fiel possível ao que o autor propôs e no caso de “Killer Joe” é uma peça que tem características perturbadoras, é só isso.

O texto de Letts termina exatamente no clímax, não havendo desfecho dos personagens. Para Bortolotto qual seria o final certeiro para essa família desestruturada narrada no espetáculo?

A peça do Letts termina muito bem. Não ousaria sugerir nada.

O espetáculo está todos os finais de semana no Cemitério de Automóveis, em São Paulo. Há possibilidade de você o levar para fora da capital, para outras cidades?

Vontade a gente sempre tem. Não depende só de nós.

Entrevista: Equipe Livre Opinião

3 comentários sobre “Em entrevista, o diretor teatral Mário Bortolotto fala sobre a peça “Killer Joe”

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