Ariano Suassuna, o Cavaleiro do Sertão

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Toca a gaita, João Grilo! Toca a gaita! Não adiantou!

Desde segunda-feira leitores, estudantes, pernambucanos, paraibanos, o Brasil todo torcia pela recuperação do Quixote do Sertão, Ariano Suassuna. O mestre da tradição nordestina, o preservador da cultura popular. Mas são nesses momentos que a ficção racha com a realidade. A gaita não tocou e Suassuna morreu na última quarta-feira (23) vítima de uma parada cardíaca.

Soa até engraçado o motivo da ida de Suassuna até os braços da Compadecida ser a estagnação do coração. Este músculo que o autor sempre falava em suas aulas-espetáculo como propulsor da vontade de escrever, escrever, escrever, ler, ler e tornar público obra de magnitude única, importante para o sertão infinito de ideias. O coração para, mas a obra fica aqui a pulsar na cabeça do leitor.

Meu primeiro contato, como muitos da minha geração, foi com a série produzida pela Rede Globo e dirigida por Guel Arraes. Nunca imaginei as características de Chicó e João Grilo, eles já me foram apresentados nas personas de Selton Mello e Matheus Nachtergaele, estes merecedores do papel. Tive contato com o texto recentemente, as brincadeiras e a crítica social elaborada por Suassuna é de brilhantismo de um cabra que teve tato com esse Brasil muitas vezes oculto da visão dos próprios moradores dessa terra rachada. Li a peça em dois dias, ria alto pelos corredores da biblioteca, declamava em voz alta cada passagem de Chicó, para desespero das bibliotecárias.

Não sei, só sei que foi assim. O sorriso marcado de Suassuna em suas preciosas aulas-espetáculo – registradas e compartilhadas no Youtube -, o humor ferino de um contador de causos, o Chicó transvestido de autor. O mestre das frases precisas e com tom crítico. A incansável busca pela identidade nacional traçada há anos pela nossa literatura, Suassuna construiu de modo ágil e fácil pela convivência nas caminhadas no cavalo à pelo da imaginação popular.

“Eu não tenho imaginação, eu copio. Tenho simpatia por mentiroso e doido. Como sou do ramo, identifico mentiroso logo”.

Suassuna fugiu da conduta clássica e forneceu a originalidade em seus textos. Fruto de uma simpatia cativada pelas gerações que vivenciaram e vivem das suas extraordinárias formas de escrita e fala. O cavaleiro do Sertão segue agora em outra missão. Imagino neste momento Suassuna, malandro que só mesmo sendo criador de João Grilo, a dialogar com o diabo para não descer e queimar o pé no inferno. Se no céu não há Sertão, Suassuna vai bradar para tornar as nuvens o chão seco, a natureza árida para se sentir mais brasileiro.

Perdemos não só o escritor. Foi-se embora o mestre da oralidade, do espetáculo e da opinião lúcida sobre as variadas situações precárias em que o país se encontra. Em uma de suas aulas ele falou “Não estão dando o filé para o povo, somente o osso. E isso me deixa indignado”. Se seus comentários polêmicos atrapalharam e chateou muitas pessoas, Suassuna foi autêntico. Ora, cabra, e quem não tem a sua resistência de opinião? Ou como acredito que ele pensava: Se gosta ou não, viva com isso!

Compartilho um dos trechos marcantes da adaptação de sua obra “Auto da Compadecida”, em que demonstra a malandragem de João Grilo, um dos maiores personagens da nossa literatura.

Jorge Filholini

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