Vejo o sexo de maneira muito positiva e acho que isso contribui para que alguns estereótipos caiam por terra. Lola Benvenutti ficou bastante conhecida no cenário universitário ao declarar ser prostituta enquanto fazia o curso de Letras. Com o nome de Gabriela Natalia Silva na carteira de identidade, Lola convive com a dupla personalidade de construir seu cotidiano e transformar sua carreira de escritora, assim como da vida de acompanhante.
Com 22 anos, vivendo em São Paulo, Lola terminou de escrever seu primeiro livro, O Prazer é Todo Nosso, com lançamento previsto para o dia 11 de agosto na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na capital paulista. O livro O Prazer é Todo Nosso, como a própria escritora denomina, é autobiográfico em que relata toda a reflexão que teve enquanto adolescente de se tornar prostituta, passando pelo comportamento da família, até o retrato das experiências com seus clientes.
Durante a graduação, Lola criou um blog onde postava contos descrevendo o processo sexual com os clientes, processo completamente necessário para futuramente escrever o livro. Atualmente, Lola está com o site (clique aqui) em que dá dicas de moda e beleza, comportamento, relacionamento e, é claro, sobre sexo.
Em entrevista para o Livre Opinião – Ideias em Debate, Lola falou da construção do romance, os escritores que influenciaram seu método de escrita, assim como sua participação em debates relacionados à diversidade sexual. Especialmente para os leitores do site, Lola divulgou um trecho inédito do livro, além de opinar sobre a posição da sociedade sobre sua decisão de ser prostituta. Confira a entrevista na íntegra:
Livre Opinião: Quem assina o livro é Lola Benvenutti, mas nele existe a mão da Gabriela? Como, no processo de criação do livro, você as separou ou nem pretendeu fazer isso?
Lola Benvenutti: Preferi assinar como Lola porque creio que, de algum modo, isso mantém minha vida pessoal/familiar resguardada; não totalmente, é claro, mas o livro foca nas minhas experiências quando me assumi como puta, como Lola, então nada mais sensato do que assinar como L.B.
Na primeira versão havia muitos detalhes da minha vida pessoal, desde quando era adolescente, exposição familiar e etc. Conforme o livro foi avançando, achei melhor suprimir esses detalhes e focar nas minhas aventuras sexuais como prostituta.
“O prazer é todo nosso” é um convite para o leitor ingressar no universo sexual e conhecer a sua experiência de acompanhante? Como foi o trabalho de construção do livro, pois existem traços particulares de seus clientes, mas retratados apenas no seu ponto de vista. Você tomou precaução em abordar essa temática polêmica e atribuída como um tabu pela sociedade?
É um convite não apenas para a minha vivência como acompanhante, mas também um chamado para que se descubra sexualmente, para que possa fruir seu corpo, o de seu parceiro e viver fantasias deliciosas.
Trato todas essas questões com a delicadeza que elas merecem. Vejo o sexo de maneira muito positiva e acho que isso contribui para que alguns estereótipos caiam por terra.
O livro é uma compilação dos seus textos do blog? Há elementos inéditos de sua experiência nesses últimos anos? Pode contar alguma passagem do livro para os leitores do Livre Opinião?
A maioria dos textos é inédita e alguns recapitulam histórias do blog de maneira mais detalhada e convidando para refletir sobre nossa sexualidade. É difícil escolher uma parte do filho [risos]. Estou apaixonada pelo livro todo, mas vou escolher um trecho que me emociona muito e estou certa de que tocará o leitor.
“Quando ocorreu essa explosão sobre Lola Benvenutti, minha família, após a minha exposição na mídia, se afastou completamente de mim. Meu pai porque dizia que eu havia mentido para ele e que eu sabia que tudo isso iria acontecer. E minha mãe porque não suportava o desgosto e a vergonha de ter todos os dedos da cidade apontados para si, no momento em que ainda tentava se recuperar do choque que teve quando contei a ela pela primeira vez.
Percebi que era um momento de mudanças. Fiz uma mala e fui para a megalópole São Paulo, sem conhecer nada nem ninguém. Fui em busca de meus antigos sonhos: morar na capital, que oferece inúmeras possibilidades de conhecer pessoas e lugares interessantes, e também continuar estudando, mas para isso eu precisava alugar um apartamento e me estabelecer. Encontrei um apartamento adequado, mas o proprietário exigia um fiador. Eu não tinha a quem recorrer senão ao meu pai. Ele aceitou, contanto que fosse a última coisa que eu lhe pedisse.
Quando nos encontramos para que ele assinasse os papéis, o modo seco como nos cumprimentamos – sem beijo, sem abraço e sem sorriso, logo meu pai, que todas as noites me dava beijo de boa noite e me cobria antes de dormir – evidenciou que, se eu havia ganhado a minha liberdade, havia perdido um bem muito precioso: a família.
Apesar de todos os percalços iniciais, logo as coisas começaram a funcionar. Após um longo período de silêncio, meu pai me mandou uma mensagem, pedindo que ligasse para contar como estavam as coisas. Tardei a criar coragem e quando finalmente consegui ligar, um choro convulsivo tomou conta de mim e eu mal conseguia falar. Toda a falta que eu sentia do meu pai explodiu ali e isso o comoveu.
Nós nos encontramos e o abraço, demorado e apertado, foi de um pai triste e saudoso da filha – agora só uma garotinha indefesa buscando a aprovação do pai. Sei o quanto foi difícil para ele, militar, vindo de família tradicional e conservadora, aceitar que aquela era eu, sua filha, sangue do seu sangue, e que, a despeito das atitudes “erradas”, nosso amor estava acima de tudo.
O único momento triste do nosso encontro foi quando falamos de minha mãe. Ele sempre me pediu que tivesse calma com ela e que desse tempo para que as feridas cicatrizassem. Esperei o tempo que pude, tentei ligar, mandei mensagens… Minha mãe manteve o silêncio.
Depois de um tempo, no dia do meu aniversário, decidi tentar mais uma vez. Reuni toda a coragem que havia dentro de mim e a chamei para comer um pedaço de bolo.
— Não tenho o que comemorar… não tenho o que falar…
Novamente o choro tomou conta de mim e eu fiquei ali, parada atrás da porta, sem saber o que fazer. Meus soluços eram uma súplica. Ela então abriu a porta. Nunca vou me esquecer da conversa que tivemos aquele dia. Choramos tanto e colocamos tudo para fora. O abraço de reconciliação foi o melhor abraço que eu já recebi dela e talvez minha maior felicidade na vida.
Embora tudo isso tenha sido muito difícil, eu aprendi a valorizar a mulher forte que minha mãe sempre foi. Hoje, mais do que nunca, entendo a dificuldade de se manter uma casa, de ser independente e ter fibra para enfrentar as batalhas do dia-a-dia.
Ao tentar rememorar o passado, dou-me conta de que, embora possa ter fantasiado algumas coisas, o mais importante é que mesmo o menor dos acontecimentos passados foi importante para formar o meu caráter. Hoje sou independente, posso conhecer pessoas novas todos os dias, ter colegas, me divertir… Embora eu more sozinha, nunca me sinto só e tenho em mim todos os sonhos do mundo”.
Foi um ano para terminar o livro, você sempre teve vontade de publicar os seus textos em livro? Ficaram muitas histórias de fora? A seu ver, é uma obra autobiográfica ou tudo pode ser ficção?
Bem, talvez o sonho da maioria das pessoas que se formam em Letras seja se tornar escritor. Embora essa ideia me atraísse, eu nunca achei que realmente iria por esse caminho, mas confesso que estou gostando muito desse novo caminho.
Muitas histórias ficaram de fora e acho que por isso mesmo terei que lançar outros livros [risos]. As histórias são todas autobiográficas.
Como é o seu processo de retratar nos contos as experiências entre quatro paredes com seus clientes? Você também tenta proporcionar “prazer” para os seus leitores?
É engraçado porque eu demorei muito para encontrar o meu eu na escrita. No começo, os relatos eram muito crus e animalescos porque eu achava que era isso que meu leitor queria ler, mas depois fui sofisticando a linguagem, permeando-a com meus sentimentos e sensações, tornando-a algo mais subjetivo e, surpreendentemente, os leitores passaram a participar muito mais. Sinto que meus textos atingiram uma profundida que vai além do meramente sexual e descritivo, ele vai cheio da minha alma e acho que isso interessa muito mais ao leitor. Estou bem satisfeita.
Quais autores que te influenciam para escrever seus textos? Citaria alguns?
Nossa, eu leio muito, sempre, mas sou apaixonada por Mia Couto e Guimarães Rosa. A prosa cheia de poesia deles vai fundo na minha alma. Nunca saio de um livro deles do mesmo jeito. Algo sempre muda em mim. É mágico… não sei explicar.
Você participa de debates relacionados à diversidade sexual, com temáticas sobre relação sexual e prostituição? Se sim, como a Lola e/ou Gabriela abortam esses assuntos? E como é a sua relação com outras acompanhantes, elas te procuram para conversar sobre as situações enfrentadas no trabalho?
Participo, sim e às vezes é difícil porque os acadêmicos torcem o nariz, as feministas radicais também, mas eu sempre digo que não sou uma estudiosa do assunto. Estou começando a estudar agora, mas eu posso falar com muito mais propriedade da parte prática e eu acho que é isso que desperta o interesse das pessoas.
Falo muito sobre as mudanças que a sexualidade operou na minha vida e não digo por ser prostituta, mas por me permitir viver meu corpo em sua plenitude. Tento passar isso para as pessoas em minhas falas, sugerindo que também se permitam viver.
Conheço muitas meninas que também são putas e converso sempre. São realidades sempre diferentes, boas ou ruins, mas eu sempre sinto um descompasso entre o que elas dizem e o que eu penso, mas esse papo fica pra outra hora…
Você pretende seguir a carreira como escritora e abandonar a vida de acompanhante? Já imaginou futuramente se somente a Lola será escritora, a Gabriela também seguirá nessa área e pretende escrever um livro com a sua assinatura?
Não acho que uma coisa exclua a outra, muito pelo contrário: ser puta e escritora reúnem minhas maiores paixões na vida. A Lola e a Gabriela são quase a mesma pessoa, sendo que a segunda só optou por não expor algumas intimidades. Quem sabe mais pra frente não decido falar disso? Vamos ver…
Quem a Lola está lendo ultimamente? Conheceu escritores novos que abordam a temática sexual?
Tenho lido muita literatura erótica: Henry Miller, Hilda Hilst, alguns Best-sellers ao estilo de 50 tons de cinza. Também tenho me aventurado por Anais Nin e Nelson Rodrigues, mas a falta de tempo está me matando; gostaria de ler mais.
O espaço deste site é proporcionar ao entrevistado a possibilidade de falar tudo o que sempre quis, sem editar. Então, desde o momento em que você decidiu anunciar a sua posição como acompanhante aconteceram diversas rejeições e preconceitos na sociedade e no meio acadêmico em que você estudava, incluindo colegas de curso e docentes. Você guarda mágoas ou foram situações passageiras e partiu para o próximo capítulo?
Eu fiquei muito frustrada, mas entendo que somos criados para repelir comportamentos como o meu. Sei que será uma longa batalha até que as pessoas respeitem e entendam minha escolha. Acho que essas situações foram importantes para o meu amadurecimento e preparo para a vida.
Felizmente, tenho tantas coisas boas para lembrar, que as ruins ficam de lado.
Confira o booktrailer do livro O Prazer é Todo Nosso, de Lola Benvenutti:
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Lola te acho um máximo , incrivel mulher , inteligente pra cima deste mundo! Acho você top das tops . De sua grande fã Andrezza