No último domingo (3), terminou a 12ª Festa Literária Internacional de Paraty. Foram cinco dias de grandes debates com nomes importantes da cultura nacional e internacional. Das diversas conversas promovidas pela programação oficial, o escritor português Almeida Faria participou, no domingo, junto com Jorge Edwards, da mesa “Os sentidos da paixão”.
O Livre Opinião esteve na edição deste ano e acompanhou diversas mesas de debates e eventos realizados pelas ruas de Paraty. Para encerrar a primeira cobertura do site na Flip, a entrevista com um dos maiores escritores de língua portuguesa, Almeida Faria.
Escritor de obras consagradas da literatura, destacando a obra-prima A Paixão, Almeida Faria esteve na Flip pela primeira vez para participar de uma mesa literária na programação oficial. Vencedor de diversos prêmios, seus romances são teses de universidades do mundo todo.
Atencioso e simpático, Faria concedeu uma entrevista, realizada na Casa do IMS (Instituto Moreira Salles), em Paraty, e conversou sobre os seus primeiros livros, o início na literatura e sua maior obra, A Paixão, que influenciou gerações de escritores, inclusive os autores Raduan Nassar e Antonio Lobo Antunes. Confira a seguir a entrevista na íntegra:
Livre Opinião: Depois de vários livros publicados, o que o escritor Almeida Faria de hoje diria para o escritor Almeida Faria de 19 anos?
Almeida Faria: Eu publiquei aos dezenove anos justamente por ser um pouco ingênuo e também concorri a um prêmio literário, que acabei ganhando. O Prêmio era publicar o livro. A obra era um pouco imatura, mas era revolucionária no ponto de vista político e formal. Rumor Branco, para você ver, o título já era estranho, parecia uma poesia. Depois a estrutura do livro não tinha capítulos, o texto era dividido em fragmentos como os dias da criação do Mundo, a pontuação era muito diferente das regras, nunca havia maiúscula depois do ponto final – o próprio livro começa com minúscula. No entanto, foi uma provocação de um jovem que era contra a ditadura. Vivíamos num longo regime e aquilo era uma maneira simplesmente de manifestar a minha raiva.
Para a minha geração, aquele livro serviu como um manifesto antifascista e, claro, tive muitos problemas. Meus professores não gostaram nada daquilo que fiz, pois além de ter o prêmio tive diversas críticas que coincidiu com uma revolta estudantil generalizada nas principais universidades do pais, Lisboa e Coimbra. Portanto, é um livro ainda mais político do que seu conteúdo real. Foi um livro que depois eu editei várias vezes e coloquei muita coisa, pois de fato havia a explosão da juventude. Não era uma obra de grande valor literário e hoje não é considerada tão bom como A Paixão, mas é um livro de um jovem de um período pulsante.
Não sou de dar conselhos aos jovens, eles devem fazer o que querem e, sobretudo, não cederem aos padrões dominantes.
Você se considera um poeta, mesmo que nunca tenha publicado um livro de poesia? Sobretudo porque sua obra é impregnada de poesia, concorda?
Bom, na verdade os poetas não me consideram um poeta (risos).Para eles quem escreve prosa é prosador, mas considero a minha prosa bastante poética. Aliás, isso também acontece com Guimarães Rosa, que é sobretudo bom na prosa. Quando ele publicou um livro de versos eu os achei muito maus (risos), mas como prosador ele é um grande poeta! No entanto, eu já fico contente de ser um poeta da prosa.
Sua amizade com Raduan Nassar é de muitos anos. Você pode contar um pouco como se deu o encontro de vocês?
É uma história muito bonita e comovente. Em 1975, quando ele publicou Lavoura Arcaica, na época eu não o conhecia, bateram à minha porta de casa e havia um casal. Não sabia quem era. O rapaz falou que é brasileiro e que me queria oferecer um livro. Entraram na casa e o livro que ele deu se chamava Lavoura Arcaica e tinha acabado de ser publicado. O rapaz, que era o Raduan Nassar, me disse: “Este livro deve muito A Paixão e eu quis entregar este livro a você pessoalmente”. Para mim foi realmente um gesto muito simpático e prazeroso. Quando li o Lavoura Arcaica eu realmente vi que havia afinidade. No livro, não sei se nas edições atuais ainda citam, havia passagens literalmente tiradas de A Paixão. Portanto, não é plágio, são citações em homenagem ao romance A Paixão.
Depois só nos vimos mais uma vez quando vim visita-lo em São Paulo e de resto só trocamos primeiro fax e agora e-mails e telefonemas. Realmente é uma amizade apenas literária e quase não física. Outro fato é que vivemos muito longe e Raduan não viaja mais.
Então, até mesmo com você Raduan é recluso?
Sim (risos)! Mas eu também não venho ao Brasil frequentemente, e de fato ele não aparece em público. Nesta semana mesmo, estarei em São Paulo numa livraria para ler passagens de A Paixão, convidei-o para ir, mas ele respondeu que não vai mais a nada. Então, não faço concessões e respeito a posição dele.
Você retrata muito o Alentejo. Sua terra é pulsação e verbo de seus livros. Você concorda que, quando escreve sobre o Alentejo, está escrevendo também sobre o mundo?
Sim, mas há diferenças em meus livros e nem em todos eu falo tanto do Alentejo. Em A Paixão falo muito de situações daquela terra. Eu acho que toda a grande arte, se é que A Paixão é grande (risos), deve tornar um livro com personagens, temas e ações em algo que trata o universal. Veja o Guimarães Rosa, ele escreveu sobre o sertão, e o Sertão é o mundo inteiro. É natural que eu não escrevo romances regionalistas, nem o Guimarães Rosa escrevia, e evidente que se tratarmos dos temas essenciais da humanidade, tanto faz que se situem no Alentejo ou Nova York, Brasília… Sertão, os temas da humanidade, de fato, são sempre os mesmos.
Você é um escritor que influenciou muitos autores nas últimas gerações. Então, o que te fez entrar na literatura: foi a ditadura, por causa da raiva em relação ao regime e encontrou na escrita uma forma de confrontá-la, ou foi pelos livros que lia quando era jovem?
São dois aspectos. De fato eu não lia muito porque a terra onde eu vivia era provinciana. Havia apenas uma biblioteca pública, não tinha biblioteca no colégio que eu frequentava e em casa também não. Portanto, eu não tinha grandes leituras.
Li, por volta dos dezesseis ou dezessete anos, o Fernando Pessoa, sobretudo o heterônimo Álvaro de Campos, que é o mais radical e aparentemente antiliterário. Aquela liberdade da poesia dele teve uma influência muito grande em mim e tentei fazer isso na minha literatura. Minha literatura era uma espécie de manifesto libertário contra todas as opressões, regras, normas sociais e contra a falta de expressão.
E você lê os escritores da nova geração?
Sim! Eu gosto muito de saber o que se passa na literatura atual e, particularmente, no Brasil. Vou lendo todos os autores que me aparecem e também os autores que conheço. Leio mais poesia do que prosa. Acho que o Brasil tem grandes prosadores, já não há os grandes poetas que teve no passado, como João Cabral de Melo Neto, Drummond, Murilo Mendes, que foram enormes poetas.
Mas esta geração brasileira têm grandes prosadores e acompanho alguns autores. Por exemplo, Milton Hatoum, Bernardo Carvalho… Dos mais novos, Andrea Del Fuego, e estou esperando o novo livro do Marcelino Freire que deve estar chegando a Lisboa.
Enfim, não paro de ler, não me fecho na literatura do meu tempo. Há sempre novos autores para ler e realmente sou muito curioso para saber o que eles fazem.
Entrevista: Equipe Livre Opinião
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