Em entrevista, poeta Marco Pezão fala sobre a força dos saraus da periferia

Poeta Marco Pezão

Poeta Marco Pezão

Poeta e agitador cultural, Marco Pezão é um dos grandes nomes dos saraus da periferia de São Paulo. Junto com o poeta Sergio Vaz, fundou o Sarau da Cooperifa, no bar Garajão, em Taboão da Serra. Atualmente, Pezão coordena o “Sarau a Plenos Pulmões”, o projeto manifesta, por meio da poesia, a luta e desenvolvimento cultural das artes da periferia.

Em 2011, coordenou o Mapa da Poesia, com o objetivo de conhecer e publicar os mais de sessenta saraus espalhados na grande São Paulo e centro. A iniciativa de Pezão é estimular a literatura escrita e falada em diversas comunidades periféricas. Em 2013 lançou o livro de poesia Nóis é ponte e atravessa qualquer rio, levando sua arte poética dos saraus para as páginas, ótimo registro de um dos maiores agitadores culturais do país.

Em entrevista ao Livre Opinião, Pezão falou como foi o primeiro contato com a literatura, assim como o começo, com o poeta Sergio Vaz, do sarau na comunidade de Taboão da Serra. Outro aspecto comentado por Pezão foi a dificuldade burocrática de articular projetos envolvendo a literatura no país. Confira a entrevista na íntegra:

Livre Opinião: Como você teve contato com a literatura em um ambiente de difícil acesso à leitura?

Marco Pezão: Foi através do teatro de rua. Faz tempo isso, mano! Foi na época da Ditadura Militar. Eu fazia ginásio e na escola tinha uma professora bem de esquerda e ela incentivou os alunos a fazer uma peça de teatro e comecei a participar do projeto. Este foi o primeiro contato e não parou mais. Depois fiz teatro profissional, entrei na faculdade de jornalismo e de alguma forma fiquei sempre ligado nas poesias que surgiam.

E o livro que te surpreendeu e fez com que entrasse na vida literária?

Um livro que me apaixonei logo de cara foi Cem Anos de Solidão e no teatro com as peças de William Shakespeare. Eu, na verdade, busco e releio de tudo, um dos que mais adoro ler é o Plínio Marcos, também gosto muito de poesia. Quando eu estava numa solidão enorme, havia me separado e a vida estava uma loucura, a poesia me pegou. O poema O Corvo, do Allan Poe, esse texto me transformou. Camões também foi outro que me inspirou! Depois disso, veio o movimento dos saraus na periferia e isso me alavancou.

Como foi o começo dos saraus na periferia?

Rapaz, o início foi junto com o Sérgio Vaz no bar do Bodão, e nos ajudou muito lá em Taboão da Serra. Tanto eu quanto o Vaz éramos muito populares na comunidade, então quando entrávamos no bar o pessoal tinha um certo respeito com a gente, até os traficantes repeitavam (risos). Na comunidade, a gente sempre procurou a participação de todos. A primeira coisa que fazíamos era ter a coletividade da comunidade. Convidávamos o pessoal para participar. A ideia do sarau sempre foi que o pessoal não pode ficar passivo, tem que ser ativo. Passividade  apenas diante da televisão ou da rotina diária, no sarau a simulação era outra coisa: a participação sempre ativa!

No decorrer do tempo a comunidade foi se identificando com os saraus. As pessoas estavam falando poesia. Eu olho para trás e vejo que foi muito gostoso participar de tudo isso. Existem os erros que a vida nos faz, nem tudo é perfeito, mas em termos de movimento o sarau na comunidade foi perfeito.

Engraçado isso, nasce um sarau em Taboão da Serra, com os moleques incentivando e tendo apetite, e foi abraçando outras comunidades e até mesmo o país. Emocionante!

Conte um pouco da sua amizade com o Sérgio Vaz.

Eu e o Vaz fomos os criadores dos saraus na periferia. Lá na nossa quebrada havia três caras importantes: o Sérgio, eu e o Binho. O tripé dos saraus. Quando nos uníamos era um arrebento! Lógico que os caminhos vão mudando, eu fiquei sete anos direto na Cooperifa, eu tinha que mudar. Na Cooperifa, eu fazia as coisas correrem, o Sérgio era o guerreiro de segurar a firma. Queria que as coisas andassem, queria que o sarau saísse da comunidade. Comecei a ver que o Binho já havia saído, então eu também senti essa necessidade, além de buscar aprender mais. Eu quero sempre aprender, para mim a poesia muda muito, evolui, e eu precisava conhecer outras pessoas e movimentos. Uma maneira de ver outras pessoas fazendo poesia. E essa minha busca me ajudou muito.

Eu e o Sérgio estamos aí, eu na minha e ele na dele. A gente se vê e se respeita. Antes ficávamos juntos, bebíamos cerveja juntos, mas hoje não tem mais isso. Cada um está atarefado, nos corres da vida. Normal, mano!

Pezão e um desabafo em relação aos incentivos nas elaborações de saraus? Como estão atualmente os corres para conseguir construir projetos literários no país?

A minha bronca mesmo é com a questão política. Eu acho puta de uma sacanagem. Sou um cara que ando e conheço gente pra caralho, fico puto quando os caras entram na política e se tornam semideuses e esquecem as comunidades.

Outra coisa que fico puto é a burocracia dentro das culturas, das secretarias. A gente leva os projetos e não existe uma pessoa que é da literatura, da poesia. São burocratas e sempre acham dificuldades e isso acaba ficando uma coisa fria. A gente trabalha pra caralho, produz e leva a cultura e no final não ganhamos nada, o bagulho é dividido tudo entre eles [burocratas], quando chega para nós é apenas uma migalha, o restinho. E isso me deixa puto!

Outro desabafo é sobre a Casa das Rosas. Mano, faço sarau há mais de três anos e fico puto que os caras de lá nunca foram declamar. Se a casa é do poeta, casa do Haroldo de Campos, os caras da Casa têm que estar declamando. Quem faz a poesia e está no meio tem que falar, tem que estar no meio, chegar junto!

Entrevista: Equipe Livre Opinião

 

 

 

3 comentários sobre “Em entrevista, poeta Marco Pezão fala sobre a força dos saraus da periferia

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  3. A poesia chama a todas as vias da vida e nos conclamada a ir além de uma existência de cartas, nos resgata sobre a importância de ser parte da família humanidade.Deixo uma poesia, ao qual escrevi, ontem, fresquinha, no recital ocorrido na Casa das Rosas que deve permanecer mensalmente e não em dois e dois meses, por ser um espaço de intercâmbio e cooptação cognitiva, senciente, espiritual e humana:

    Ubuntu

    penso, logo existo?;

    ou, logo crio?;

    diria, porque conquisto?;

    quem sabe, por fazer?;

    penso,
    porque pertenço,
    nos pertencemos,
    como tudo e tudos,
    em um?

    penso,
    porque sou humano,
    me completo, me complemento, me conjugo
    com você: humano ou não?;

    penso,
    porque sou:
    homem, cristão, ateu,
    culto, ocidental, gnóstico,
    sarado, virtual, cidadão,
    casto, hedonista, existencialista,
    hetero, homo ou bissexual

    ou por ser parte:
    parte do negro, do branco, do índio?:
    parte de seu sangue, de suas veias, de suas lágrimas?;
    parte da mesma terra, do mesmo ceú, da mesma morte?;
    parte do seu passado, parte do seu presente e parte do seu futuro?:

    parte da família humanidade?:
    por isso nos pertencemos, existimos e somos:
    seres humanos ou não?

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