Serão essas as minhas últimas palavras. Deste ano. E serão sobre uma imagem. Uma foto, que em mim ficou gravada. Recentemente.
A foto dessas duas crianças, acima.
Descobri-as em uma exposição, no começo dessa semana, em minha viagem por Montevidéu, no Uruguai.
Uns fotógrafos foram à África, lá longe, no passado, e registraram esse instante. Perpétuo.
Essas crianças são do ano de 1891.
Isso mesmo: 1891.
Para onde se lança o olhar delas? Para o ano de 2015? Para Salvador, na Bahia? Qual Belo Horizonte?
O tempo é este eterno flagrante.
O que foi feita dessa luz que parece ter nascido agora? Pupila que brilha, antiga, e ainda tão futura?
Cresceram no Brasil as duas? Foram, em seu país de origem, reis coroados? Geraram esses dois meninos os nossos meninos de rua? Professores de música? Tornaram-se bailarinos?
Há pouco, no documentário “Tarja Branca – A Revolução que Faltava”, dirigido por Cacau Rhoden, confessei. Eu sempre retorno às minhas fotografias, de quando pequeno, e encaro o meu olhar infantil. E pergunto: como a criança que eu fui enxerga, lá de dentro da foto, o adulto, real, que eu me tornei?
Conseguirei ser um velho feliz? Quais sonhos projetei? Quantos, porventura, realizei? Qual pátria ajudei a construir? O meu país cumpriu o seu papel de país? Justo e honesto? Deixou, por acaso, eu crescer digno e feliz?
Nordestino que eu sou, não foi fácil sair do sertão, empurrar as portas do destino, fazer, até este presente instante, a dura jornada. Exigir a minha parte nesta arte, teimosa, que é sobreviver. Vir-a-ser, aqui, nesse mundo, sem demora.
Isso tudo, a partir dessa foto centenária, ficou me fitando. É a humanidade, toda, que viaja nos olhos dessas duas crianças, creio.
Sofreram na pele as escolhas que fizeram? Tiveram escolhas? Calejaram as mãos em prol das próprias mãos? Foram pais? Serviçais? Patrões? Artistas de qual cinema? Vieram parar no Pelô? Fundaram o bloco da alegria? Foram donos, em vida, de quais fantasias?
Perguntas e perguntas.
Respostas que precisamos dar a cada dia. Ou, pelo menos, buscar. Eis a minha grande esperança. Neste ano que termina, neste ano que vai começar.
Feliz 1892!
Para todos e todas.
A gente se vê mais à frente.
Valeu. Obrigado, editores e leitores do LOID. Salve, salve, amém e saravá! Com amor, e boas palavras, sempiternamente.
E até já.