
Img: Instituto Avante Brasil.
“Vamos falar sobre drogas?”. Quantas vezes você imaginou que seus pais iam te dizer isso? Ou quantas vezes você, pai ou mãe, imaginou que deveria dizer isso a seus filhos? A você mesmo? Pois é, muitas vezes uma conversa, uma troca de informações, tão inofensiva quanto gratificante no sentido de que informa, é deixada de lado, esquecida, por uma infelicidade que trazemos conosco chamada tabu.
No Brasil, especialmente, as políticas de combate e prevenção às drogas estão enveredadas por tabus, preconceitos e políticos e políticas conservadoras. Isso não apenas dificulta o debate, como também consolida práticas ineficazes no campo. Segundo dados de 2012, cerca de 56% dos homicídios no país estão ligados ao tráfico de drogas. Já no caso do Uruguai, que está na vanguarda da questão, os dados acerca do tráfico após a regulamentação da maconha são, no mínimo, para se ter inveja. Portanto, mais do que uma questão de preconceitos (por exemplo: para o álcool existe um mercado regulamentado, longe das garras do tráfico), é uma questão que precisa ser discutida, informada, compartilhada. A informação é – e sempre foi – o melhor remédio, como mostra o exemplo da campanha “Da proibição nasce o tráfico”, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), encabeçada pelos cartunistas André Dahmer, Angeli, Arnaldo Branco, Laerte e Leonardo.
Com o mesmo mote, existe uma equipe responsável pelo aplicativo Redução de Danos, com intuito de trazer informações a usuários e não usuários, despidas de tabus e preconceitos. Fácil de usar e podendo ser acessado de qualquer lugar, através de um smartphone, o aplicativo não só cumpre o papel de quebrar as barreiras que muitas vezes aumentam nossas dúvidas, como também de democratização das informações a respeito das mais diversas drogas (lícitas ou ilícitas). Tamanha desinformação, muitas vezes, nos faz esquecer que, a todo o momento, estamos cercados por drogas, mas nutrimos certo medo e afastamento apenas daquelas que temos preconceito: “todas as pessoas, em alguma medida, usa, já usou ou vai usar drogas na vida, seja um cigarro de maconha, LSD, álcool ou café, remédio para dor, anti-inflamatório ou um chá que a vovó ensinou para enjoo. Nosso intuito é que este uso seja o menos prejudicial e o mais consciente possível”.
A questão das drogas deve ser informada e debatida, afinal, vidas estão em jogo e, ao que parece, são poucas as que são ceifadas em decorrência do uso se comparadas àquelas tiradas pelo tráfico e pelas políticas duvidosas de combate desempenhadas no país. Confira a entrevista do Livre Opinião – Ideias em Debate com a equipe que desenvolveu o aplicativo:

Davi, Janaina, Bruno, Claudio e Marcelo: equipe responsável por desenvolver o aplicativo.
Live Opinião – Ideias em Debate: Em que consiste, basicamente, o aplicativo?
Redução de Danos: O App Redução de Danos é um aplicativo de celular, disponibilizado para o sistema Android e IOS, gratuito, que vem com o intuito de difundir o acumulo de conhecimentos da prática de redução de danos. O objetivo deste aplicativo é transmitir de uma forma mais clara e sem tabus, informações a respeito de diversas drogas, desde o café até outras drogas como o álcool, tabaco e drogas ilegais como maconha e cocaína.
LOID: Por que vocês acreditam que um aplicativo como este pode ajudar as pessoas (usuárias ou não)?
RD: Após o lançamento do App, tivemos a grata surpresa que, não só os usuários se interessaram por ele, mas também profissionais da área da saúde e assistência social, que trabalham diretamente com usuários começaram a baixar o aplicativo e nos dar diversos feedbacks, usando como orientação (no caso dos professores) e até mesmo indicando para os usuários que atendem. Enfim, estamos tendo um retorno muito satisfatório.
A ideia do App, para além de transmitir informação a respeito do que de fato é a substância, além de algumas curiosidades e história, informa também alguns efeitos esperados destas substâncias, efeitos adversos e, caso o usuário decida que quer experimentar ou continuar seu uso já existente, que faça da forma mais segura, evitando assim os riscos e os danos associados ao uso. Além disso, o aplicativo tem um papel importante de dar um start no usuário, no sentido de fazer com que ele em algum momento pense na sua qualidade de vida e qual o sentido do seu uso na vida dela.
LOID: Parece que o app tenta quebrar a barreira do tabu que, na maioria das vezes, não apenas não deixa que nos informemos como também produz e solidifica preconceitos. Vocês já têm algum dado concreto em relação a esse impacto, depois da disponibilização do aplicativo?
RD: Acontece que nossa legislação já prevê ações de redução de danos, mas que não são efetivas, não apenas por este tema ser um tabu, mas por que é permeado por diversos interesses políticos e financeiros, por isso é tão complicado esta questão no Brasil. Acreditamos que o maior retorno que temos até agora é a aceitação e feedbacks positivos dos usuários e dos profissionais que estão na ponta, por que estes sim (usuários e profissionais que estão na vanguarda) é que sabem como lidar com a questão das drogas no Brasil.
LOID: A equipe é composta por quantas pessoas? O que levou vocês a criar o aplicativo?
RD: O App está sendo desenvolvido por 3 psicólogos, 1 antropólogo e 1 publicitário. Diversos fatores levaram a equipe criar este aplicativo, mas basicamente por que acreditamos na redução de danos como uma prática realista e pragmática, que pode de fato auxiliar os usuários de droga a melhorar significativamente sua qualidade de vida e bem estar, não só ligado a questão da saúde, mas familiar, social, financeira e legal. Acreditamos também, que é preciso transmitir informações reais sobre as drogas, sem usar do “terror” para amedrontar as pessoas sobre coisas que não existem para evitar que elas usem drogas, todas as pessoas, em alguma medida, usa, já usou ou vai usar drogas na vida, seja um cigarro de maconha, LSD, álcool ou café, remédio para dor, anti-inflamatório ou um chá que a vovó ensinou para enjoo. Nosso intuito é que este uso seja o menos prejudicial e o mais consciente possível.
LOID: Num país que precisa combater, sobretudo, a mentalidade e os preconceitos que envolvem as drogas e as políticas muitas vezes nebulosas de combate e prevenção, o que esperam conseguir com essa iniciativa?
RD: Esperamos, além de informar os usuários sobre RD, alcançar o máximo de pessoas possível, que até então, só possuí uma linha de pensamento, que “as drogas devem ser combatidas” e que na verdade, se trata de uma falácia. As drogas não precisam ser combatidas, pois as drogas, em si, não fazem mal, considerando que se eu tiver 20 garrafas de pinga na minha casa, elas não vão me atacar e isso serve para todas as drogas. O que deve ser feito é disponibilizar cuidados para as pessoas que possuem problemas com drogas e informar as outras para que elas evitem ter riscos e danos associados ao uso.
LOID: Até o momento o app está disponível para iOS e Android. Existe uma pretensão de estender essa disponibilidade a dispositivos Windows Phone, por exemplo, ou outras plataformas como sites e redes sociais?
RD: O App teve um período de 7 meses de planejamento e até o momento não foi possível executar nem 10% do que foi planejado, por diversas razões. Primeiro porque o App não possui retorno financeiro, logo, todos os envolvidos precisam ter seus trabalhos paralelos, e por conta disso, não conseguimos nos dedicar tanto tempo ao App quanto gostaríamos. Outra questão muito importante é que, por não termos auxilio financeiro, muitas ideias boas estão na gaveta, inviáveis no momento por falta de verba, não sabemos ainda, por exemplo, se sairá uma versão para Windows Phone. Existem muitas inovações que irão ocorrer em breve no App bem como outros produtos que já estão sendo desenvolvidos pela equipe, mas por enquanto não podemos revelar.
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Entrevista: Vinicius de Andrade.