Coluna 21: Cinderela x Branca de Neve, por Lucimar Mutarelli

unnamedFui ver o novo filme da Cinderela. Esse tipo de filme só tem graça no cinema. Muitos efeitos somem na telinha do computador

Confiando que a cidade estava vazia, segundos fontes formais e informais, fui no Cinemark do Shopping Paulista. Jurei algumas vezes que nunca mais voltaria ao Cinemark mas era quarta-feira de cinzas, falaram de novo da cidade vazia, a tela é gigante e tals

382 adultos e umas 58 crianças na fila. Tudo bem que algumas crianças eu contei 2 ou 3 vezes porque elas não paravam de correr e estavam todas fantasiadas de princesa ou super-herói

– Nossa! Não é a Lucimar que vive postando fotos com crianças?

– Sim, sou eu! Presente!

Amo as minhas crianças. Meu filho, meus sobrinhos e os filhos dos meus amigos. Não pense que basta ser criança para que eu goste de você. É uma questão mais complexa

Quando você está sentado, sozinho, comendo num restaurante e na mesa ao lado os funcionários de uma firma fazem a tradicional festa de final de ano com entrega dos presentes do amigo secreto, aquilo te incomoda muito e, por outro lado, se você faz parte da mesa da bagunça, você nem enxerga o cara sentado ali do lado tentando uma refeição tranquila. Tudo é uma questão de referencial

Desisti da Cinderela. Não é por causa dos meus 9,50 que a Disney vai falir

Ou será que vai?

O fato de ver muitos filmes online pode contribuir para o fim da minha linguagem artística preferida?

Assim disse uma das crianças que eu gosto, filho de uma amiga. Tudo bem, ele tem 11 anos, não é mais uma criança mas eu podia ter dormido sem essa

Também não é isso que eu quero dizer

Gosto mais da Branca de Neve do que da Cinderela. A roupa fica melhor por causa da cor do cabelo. Comparando minha vida com a de alguma princesa Disney tem que ser a Cinderela mesmo

Indo além na brincadeira (um dos exercícios propostos por meu marido em suas oficinas de criação) meu marido seria o príncipe, meu filho o caçador e meus irmãos, os sete anões. Tenho dúvidas se eles iriam aceitar e rir desta piada

As características dos anões são arquétipos. Em algum momento do seu dia todo mundo pode se identificar com um deles

Ou não?

Por ser a caçula, reconheço a influência dos 7 na formação da minha personalidade – mais a contribuição do meu pai, da minha mãe, de todos os meus ancestrais, do meio em que vivo e das pessoas que conheci e assuntos que estudo. Tem ainda as linguagens artísticas (cinema, pintura, música, novela, quadrinhos, literatura, etc) e os passeios e as viagens e todas as situações que enfrentamos

Sou grata a eles. São minhas primeiras referências da vida em sociedade e, aqui, os reverencio com essa crônica pseudopsicanalítica

Falta descobrir quem é a madrasta. Resolvo meu problema. Posso ser a Branca de Neve na minha fantasia

3 meses antes de completar 18 anos eu já procurava um jeito de sair de casa

Trabalhava e estudava no Centro de São Paulo. Acordava as 5 da manhã e ia dormir depois da meia noite. Metamorfoseada de abóbora, cismei que precisava morar mais perto dos lugares onde a vida acontecia

Primeiro foi a Santa Cecília, Vergueiro e Praça da República. Passava o dia no banco somando cheques e/ou cobrando clientes devedores.  À noite, cursinho. Eu continuava dormindo da meia noite às cinco. Brilhante solução eu encontrei

No segundo ano de faculdade, fui chamada para dar aula numa escola em São Miguel. Pedro Moreira Matos. Minha primeira turma, supletivo do ensino fundamental. Falei durante quinze minutos. Acabou o assunto. Qual faculdade ensina, na prática, a preparar uma aula?

Abri o palco para os alunos, pedi que cada um deles se apresentasse e o tempo foi passando e a aula chegou ao fim

Meu pânico diante deles também

A primeira grande lição da vida profissional estava apreendida: ouvir o outro, abrir o espaço, compartilhar ideias e informações, troca-troca cognitivo

O conto de fadas estava somente começando

Dias de princesa que se transformava em caçadora

Tudo depende do contexto e de qual batalha você precisa vencer

Compartilhar histórias, e todas as descobertas que o trabalho com as diferentes linguagens artísticas proporciona, preenche meus olhos meu coração e minha vida

Trabalhando em São Miguel, podia voltar a morar na casa dos meus pais

Pela primeira vez, fui filha única

Minha mãe, que no auge da sabedoria adolescente, eu julgava como a uma madrasta; por tanta briga tanta incompreensão tanta fúria inventada na minha cabecinha: me recebeu de braços abertos

Com muitos chás de boldo, bolinhos de carne moída e bons conselhos, descobri igualzinho ao Drummond, que a minha história seria muito mais linda que qualquer conto de fadas

Simples

Porque era a minha

Um pouquinho depois desse encantamento todo, virou a nossa

Duas mãozinhas formando um coração naquela noite de lua cheia de 24 de agosto de 1991

lucimar-mutarelli

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