Em entrevista, o escritor Caco Ishak conversa sobre o seu primeiro romance “Eu, Cowboy”

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O autor Caco Ishak (Foto: Gustavo Godinho)

Não sei onde essa história toda começou. Sei que termina aqui. Sei que não tem começo que compense o fim. Melhor parar duma vez. Não tem o que descobrir. Encosta, estaciona o carro. Recosta o banco, sossega. Deixa o motor morrer. Respira. Respira fundo, devagar. Concentra. Me escuta. Ninguém precisa saber. Como se desse pra protelar a gastura. A vida e tudo mais perdem o sentido quando se perde a ilusão de ser eterno, foi o Sartre quem disso. Por aí. Mas não. Tem sempre um evento, um vídeo, um meme, uma foto, uma polêmica, uma microcausa socioeconômica que nos faça procrastinar nossa crise existencial. (Eu, Cowboy, p. 9).

A Festa Literária Internacional de Paraty tem a sua programação oficial, mas o evento proporciona a chegada de diversos escritores independentes que, caminhando pelas desiguais pedras do centro antigo da cidade, divulgam suas obras, assim como trocam ideias com outros autores sobre o trabalho de escrita de cada um. Naquele ponto de Paraty, a nova geração literária está em desenvolvimento? Pode ser. Zines e selos próprios são trazidos à praça matriz ou atravessam a ponte carregando seus exemplares, suas histórias, poesias, prosas, ou seja, a literatura em circulação.

São os escritores que chegam de diversas partes do Brasil para a festa em Paraty. Casos de nomes como Berimba de Jesus, e suas Edições Maloqueirista, de São Paulo; Bruno Azevêdo, que desceu de São Luís com o seu Pitomba livros e discos, e que também fez uma cobertura precisa da Flip, pela revista Ambrosia. De Salvador, a Gramática da Ira que tem a palavra e voz marcante do guerreiro Nelson Maca. Estavam nadando com a maré de informação os incansáveis jornalistas e poetas goianos Walacy Neto e Willian Trapo, além do anfitrião e agitador da Off-Flip, Caio Carmacho.

Neste mix literário, um rapaz de difícil classificação de origem. Um cigano. Deslocado de sua terra há tempos. Belém-Goiás-Rio-São Paulo, do mundo. O cowboy sem chapéu e espora. O poeta prosador, que veio para Paraty lançar seu primeiro romance: Eu, Cowboy (Oito e Meio). Caco Ishak topou conceder uma entrevista ao Livre Opinião – Ideias em Debate e contou, em uma mesa de bar ao som de Lulu Santos cover, sobre o seu novo trabalho na literatura, as complicações que levaram a criação de Eu, Cowboy, crise existencial e a sua visão, também a do personagem, da geração atual.

Autor dos livros de poesia Má reputação (2005) e Não Precisa Dizer Eu Também (2013), publicados pela Ed. 7letras. Eu, Cowboy teve boa recepção e elogios de nomes culturais como Mário Bortolotto, que escreveu “[Caco] escreve na velocidade das turbinas diligentes da Wells Fargo, como se ‘fracasso’ fosse uma substância fatal e inevitável e, ao mesmo tempo, o antídoto pro mal?”, e de Marcelino Freire, que assina a orelha do livro: “Eu adoraria ter escrito este romance. Eu adoraria ter criado este ritmo. Este fluxo. Este nada. Ser dono dessa merda toda”. Confira a seguir a entrevista na íntegra.

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Caco, conte como surgiu a ideia e o processo de escrever seu primeiro romance?

Demorou 27 dias para ser escrito, dividido em duas partes. Os 14 primeiros capítulos eu escrevi em duas semanas, foi quando eu tirei férias do emprego. Acabaram as férias, tive que voltar. Trabalhei no governo, um tipo de secretaria especial, o setor fechou e perdi o emprego. Decidi ir embora de Belém, foi a segunda vez que fui embora da cidade. Fui para o Rio de Janeiro, aluguei um quartinho de empregada, algumas semanas e pronto, terminei os 13 capítulos finais. Estava querendo, coloquei na cabeça, que faria um capítulo por dia. Então, vinte sete dias, vinte e sete capítulos. Logo depois fui para São Paulo e tentei revisar, mas na primeira leitura  não rolou. Chegava na vigésima página e me dava uma agonia tremenda. Eu pensava: “Caralho, eu não posso escrever isso”. Eu não conseguia nem ler. E deixei o livro quieto. Me distanciei dele. Eu precisava do distanciamento. Passou um ano e até tentei fazer mais uma revisão. Outro ano e tentei de novo, não rolou. Depois do segundo ano eu simplesmente desisti.

O livro foi um processo, como havia falado, de vinte e sete dias. Antes disso, durante uns três anos, eu fiquei fazendo anotações soltas. Uma frase de efeito, porque o personagem solta muita frase de efeito, próprio de formadores de opinião que estão no Facebook. Engraçado que meu personagem critica isso, mas está sempre soltando essas frases de efeito.

Depois de todo esse distanciamento eu decidi, ano passado, em uma crise existencial profunda, pegar o carro e sair pelo mundo. Isso deixou de ser ironia para mim, pois o livro mesmo fala sobre uma não-viagem dos protagonistas que tentam pegar a estrada para ir até a América Central, mas essa viagem nunca acaba sendo feita. Tendo uma crise existencial fodida decidi pegar o carro e sair pela estrada. Sai de Belém e fui até a Argentina. Acredite, na Argentina eu consegui terminar o livro. Na verdade, foi a viagem de carro que me preparou, cinco mil quilómetros. Consegui ter uma paz de espírito para poder revisar. O primeiro capítulo eu mudei quase todo, o resto eu fui aparando.

Como foi esse deslocamento para a construção do romance?

Além desse deslocamento físico, de Belém pra salinas, depois Copacabana, a viagem de Belém até Buenos Aires, em 2014, sozinho no carro, acabou sendo sobretudo uma viagem interior, aquele carro foi uma verdadeira máquina do tempo. apesar de uma ligeira e necessária turbulência enquanto passava por São Paulo, em que fiquei sem GPS interno, completamente perdido, o resto da viagem foi tão tranquilo, que, faltando 600km, cheguei a cochilar. e quase morro, o carro rodou na pista. sobrevivi. de novo. pra revisar a história, dessa vez. mais doze dias e o livro ficou pronto (agradeço a Suelem Lobão e Nerusa Palheta por seus terraços). Essa viagem, esse deslocamento foi imprescindível (pode soar ridículo, talvez seja mesmo) para contrabalancear a não-viagem do personagem, a frustração máxima, o autoboicote máximo que o autor compartilhava com o personagem. a última chance que o personagem teve de matar o autor e impedir que o livro fosse publicado. e o autor sabia disso. pagou para ver. Todo o processo de escrita desse livro foi um risco, segue sendo. talvez, o autor já esteja morto. talvez, continue vivo, escondido pelas entrelinhas. talvez, a resposta para a pergunta esteja aí: o próprio ato de escrever (por escrever) é o deslocamento em si. o autor sempre fugindo dos personagens, indo de encontro a si mesmo, deixando os personagens livres pra optarem entre seguir no rastro do autor ou trilhar seu próprio caminho.

Você comentou que os protagonistas tinham esse projeto de viajar de carro, acaba sendo que o autor é que fez a viagem – mesmo que tenha sido um rumo diferente. Então, depois dessa viagem que te ajudou a voltar ao livro e a mudá-lo, porque você ainda deixou, no enredo, que seus protagonistas não realizassem a viagem?

Mais um fracasso deles! Os meus protagonistas são fracassados. É a história de cinco amigos fracassados. Mais uma expectativa para se frustrar. O livro começa com todos eles, por um motivo ou outro, frustrados e fracassados, que tentam achar uma resposta para a existência miserável deles com uma viagem. Sair de Belém é uma das coisas mais difíceis. Até atravessar todo o Amazonas já complica. E ainda tem o Canal do Panamá no meio. Primeiro, mais um fracasso deles. Segundo, eu quis ilustrar justamente esta geração. A gente vive em uma Era que nunca teve tanta informação e consumismo. Todos eles com excessos. É a geração líquida, que o Zygmunt Bauman aponta. Está no meu livro, todo mundo ancorado numa boia, uma boia irrequieta, em uma contracorrente inexistente. Óbvio, não fica parada, apesar de estar na frente do computador, a cabeça fica a mil, por isso “uma boia ancorada e irrequieta”. Ninguém tem mais tempo de ter uma crise existencial, prefere comprar um novo Ipad. Estamos numa geração conflituosa e antagônica nas opiniões e no estilo de vida.

Como você classifica o cowboy do romance?

Talvez ele tenha um pé no Cowboy do Asfalto, vivido por John Travolta. Na verdade, o que eu quis ilustrar com o cowboy é realmente aquele personagem do velho oeste. O cara machão, estilo Clint Eastwood. A primeira impressão com o cowboy do romance é justamente a do machão, machista, retrógrado, mas na verdade não foi ele que colocou o título de cowboy, colocaram o chapéu na cabeça dele. Tentei retratar o meu cowboy como sendo um elo perdido entre o século XX e XXI. Na verdade, ele está perdido no século XXI. A capa do livro achei muito boa, porque o “Eu” está enorme, bem na cara, que ilustra bem o egocentrismo do personagem, o que faz recair em nosso tempo, onde todo mundo está com um rei na barriga. Esse “Eu” acaba sendo todos. Nós, cowboys!

Você começou publicando poemas, “Eu, Cowboy” é seu primeiro romance, como foi essa transição na escrita?

Poesia para mim é uma vadia! Eu corro atrás dela, mas ela me faz de gato e sapato. Ela entra e sai quando quiser. Ás vezes eu quero, a chamo, mas nada. Já passei meses, três anos, sem escrever um verso. É algo que não tenho controle. Quando ela vem, meu caro, é uma diarreia. Fico três anos sem escrever nada e quando ela vem escrevo sete poemas em uma semana. A prosa já é, digamos, mais simples. Mais simples de chegar e colocar qualquer merda no papel, depois edita. A poesia é curta, tem que falar alguma coisa marcante. Ou você tem algo muito importante para falar em versos ou nem escreva. Na prosa você vai escrevendo, escrevendo e escrevendo. Se a poesia é uma vadia, a prosa é um estuprador sem dó e nem piedade.

Caco, o site chama-se Livre Opinião – Ideias em Debate, ou seja, este final da entrevista é um espaço livre para o artista desabafar, criticar ou colocar em debate uma ideia. Tem algo a dizer?

Pode plagiar à vontade. e pais: cuidem dos seus filhos. advogados: honrem seus honorários. juízes de direito: menos férias, menos suspeição, mais trabalho, mais sensibilidade. Todo processo numa vara de família, envolvendo crianças, deveria ter um prazo máximo de 6 meses pra ser julgado. um beijo para a minha filha. E outro para a polícia militar.

Entrevista: Equipe Livre Opinião

5 comentários sobre “Em entrevista, o escritor Caco Ishak conversa sobre o seu primeiro romance “Eu, Cowboy”

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