Acho engraçado quando cristãos usam frases como “até Einstein acreditava em deus” para causar um “nossa, se até Einstein, por que não eu?” na tentativa de arrebanhar fiéis e dar legitimidade à sua fé através da autoridade científica atribuída à figura de Einstein. Esquecem, contudo, um pequeníssimo detalhe: o deus no qual Einstein acreditava não era o deus cristão, esse deus “que tem influência direta nas ações dos indivíduos ou que julga as criaturas da sua própria criação”, mas sim o “deus de Espinosa, que se revela na harmonia bem-ordenada de tudo o que existe”. Ou seja, Einstein não acreditava no deus da Bíblia. Mas o que é, então, esse deus do qual Espinosa falava e Einstein dizia se simpatizar?
Espinosa (1632 – 1677) foi um filósofo holandês considerado um dos maiores expoentes do racionalismo moderno. Fez críticas severas à tradição teológica e metafísica, sendo, por represália, depreciado e odiado: aos 24 anos foi acusado de materialismo, imoralismo e ateísmo, e foi heremizado, expulso e amaldiçoado pela comunidade judaica de Amsterdã… Espinosa dizia que a tradição teológica e metafísica se sustentava através de um sistema de pensamento cujo fundamento é o medo e a esperança (o pecado, a culpa, o castigo, a salvação), sendo responsável por valores através dos quais falsificamos e depreciamos a vida – como também dirá Nietzsche dois séculos depois.
A crítica de Espinosa à tradição teológica e metafísica dirige-se à tese fundamental desta tradição: a transcendência de Deus, isto é, considerar Deus uma entidade separada do mundo, dotada de vontade onipotente e entendimento onisciente, que legisla e governa o universo, que pode, a seu bel prazer, suspender leis naturais por atos de sua vontade (os famosos milagres). Esta imagem de Deus, diz o filósofo, é o resultado da má compreensão da natureza divina.
É na Ética demonstrada à maneira dos geômetras que encontramos a demonstração de Espinosa acerca da natureza divina: Deus não é monarca do universo; não é transcendente (separado dos seres), mas imanente (os seres são modos ou expressões do seu ser absoluto); ele não age pela liberdade de sua vontade, mas pela necessidade de sua natureza. Resumidamente, Deus, diz o filósofo, é a natureza (famosa expressão “Deus sive natura”). Deus é, em outras palavras, a causa de tudo o que existe ao mesmo tempo em que é tudo que existe.
A visão cristã de Deus como um rei todo poderoso acarreta a noção de homem como um ser decaído por culpa de sua liberdade: o pecado. “Como, indaga Espinosa, foi possível tanta ignorância e superstição para transformar o que temos de mais precioso – a liberdade – em culpa, perversidade e perigo?”* A projeção antropomórfica à imagem de Deus, misturando propriedades humanas e divinas, é a fonte da superstição que é alimentada pela religião e conservada pela tradição teológica.
Para Espinosa não há pecado original, não há culpa, não há um Deus julgando ninguém; Deus não é uma pessoa e sequer faz milagres. Logo, tanto Espinosa quanto Einstein não acreditavam “num Deus que se ocupe com o destino e as ações da humanidade”. Não se trata, portanto, do deus de Abraão, Isaac, Jacó, dos profetas de Israel, dos salmistas, de Jesus Cristo. Por isso acho engraçado um cristão usar Einstein como propaganda de sua crença quando, na verdade, o físico pensava o oposto dela.
Giovanna Braz
Sãocarlense e graduanda em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos.
* http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/baruch-espinosa/
Excetuan-se o primeiro parágrafo em quea autora opina de modo pobre e sem fundamentação o artigo apresenta boa coerência com o trabalho e concepção de Espinosa. Esse, um profundo conhecedor da bíblia e por ela fundamentou grande parte de sua perspectiva de Deus. Entendia suas narrativas e os contextos. Einstein nasceu judeu, mas com o passar dos anos passou a ter uma visão mais independente de Deus, livre de dogmatismos. Baruc Espinosa teve um amadurecimento parecido e ambos foram espulsos de suas comunidades judaicas. Coincidência? Com seculos de diferença. E ademais, Espinosa destaca Cristo como o maior modelo ético para a humanidade e o via como única pessoa que realmente falou com Deus.. e o “apelidou” de la bouche de Die. Cristãos são muitos, anti-cristãos também. E com licença, não faltem com a verdade. Obrigado
Excetuando-se o primeiro parágrafo em quea autora opina de modo pobre e sem fundamentação o artigo apresenta boa coerência com o trabalho e concepção de Espinosa. Esse, um profundo conhecedor da bíblia e por ela fundamentou grande parte de sua perspectiva de Deus. Entendia suas narrativas e os contextos. Einstein nasceu judeu, mas com o passar dos anos passou a ter uma visão mais independente de Deus, livre de dogmatismos. Baruc Espinosa teve um amadurecimento parecido e ambos foram espulsos de suas comunidades judaicas. Coincidência? Com seculos de diferença. E ademais, Espinosa destaca Cristo como o maior modelo ético para a humanidade e o via como única pessoa que realmente falou com Deus.. e o “apelidou” de la bouche de Die. Cristãos são muitos, anti-cristãos também. E com licença, não faltem com a verdade. Obrigado