Coluna 34: “Conto de Natal”, por Lucimar Mutarelli

unnamed (1)estava voltando do sacolão e senti o clima de natal

chego em casa e compartilho com meu marido

me sinto querida aceita protegida e bem feliz quando ele concorda e sente, entendendo

saí e senti de novo o clima de generosidade, amor e harmonia que, normalmente, acompanha o natal. Pensei nas pessoas que convivo diariamente no facebook. São amigos que curtem, compartilham, dividem comigo suas alegrias, ideias, opiniões, piadas, fotos e tristezas

antes eu achava errado compartilhar as tristezas. Hoje acho certo porque se essa rede virtual faz parte do nosso cotidiano, ela deve conter todas as emoções da vida real também

fico feliz por acompanhar os grandes momentos de amigos que não vejo há 30 anos, 2 meses, 1 semana ou 1 dia

tanto faz

amigos do colégio com suas esposas, maridos, filhos, bichos de estimação

alunos trabalhando, casando e tendo filhos também

nascimentos, mortes, batizados, noivados, bebedeiras, baladas, shows, passeios ao ar livre. Pessoas que passavam o domingo vendo televisão agora frequentam museus, academias, palestras, manifestações e, mesmo que seja, só para tirar fotos para postar, elas realmente estão lá, estão ocupando as ruas, estão se expressando, andando mais de bicicleta, denunciando seres não-humanos, lutando mais por seus direitos

tenho orgulho de viver nessa época contemporânea em que a foto da formatura da filha de uma amiga recebe mais curtidas do que a notícia do casamento de uma celebridade. Nossa Ilha de Caras

é muito mais do que isso. É um desfile de pessoas se mostrando, se exibindo, se separando, começando a namorar de novo, dividindo seu conhecimento com a gente, nos convidando para seus eventos políticos, inventados, festivos, comemorativos, o que seja, de qualquer forma, estamos nos expressando

essa liberdade que me encanta!!! Qualquer um pode escrever um livro, pintar um quadro, escrever uma crônica ou criar o argumento de uma série que você acha absolutamente original

somos todos artistas

e isso não é ruim. Não dependemos mais da resenha do crítico para ir assistir um filme ou uma peça de teatro. A gente acredita mais na opinião do nosso amigo – carinha amarela sorrindo

acho que fugi do tema do natal

lembrei

em 2014 eu e meu marido cancelamos o Natal em casa

na verdade eu que forçava a barra para decorar a casa, montar árvore e tudo aquilo

mas teve uma vez ele se vestiu de Papai Noel para brincar com o John e, depois que nosso filho nasceu, os natais ficaram muito mais alegres, até eu me vesti de Papai Noel

foi um ano muito, muito difícil financeiramente por causa da Copa no Brasil e das eleições

quando percebi a tristeza do meu marido, resolvi não enfeitar a casa. O curioso é que ele nem percebeu

fiz isso também porque neste ano o meu Natal foi antecipado

fui convidada pela minha irmã, Maria Lucia, para ser a Mamãe Noel. Respondi na hora: sim, claro!!! Porém, não tinha a mínima ideia da alegria que me aguardava. Fiz uma vaquinha com a família para comprar a roupa e fiquei esperando o dia da festa

as crianças fazem parte da Comunidade do Jardim Romano e a minha irmã e suas amigas fazem um trabalho voluntário de dedicação e amor. Pleonasmo, visto que todo trabalho voluntário é realizado por dedicação e amor

não. Tem trabalho voluntário que as pessoas são obrigadas a fazer para pagar uma dívida com a sociedade, não é o caso aqui

então, minha irmã arregimentou um time de madrinhas e padrinhos para comprar os presentes das crianças e o Papai e a Mamãe Noel se encarregariam de entregar

começou a festa, as crianças começaram a chegar, as participantes fazem um almoço repleto de guloseimas com sanduíches, sorvete e doces. Fiquei lá no meio, comendo, óbvio, e puxando conversa com as crianças. Depois de 3 cachorros quentes, muitas balas e pirulitos, me toquei que elas não podiam reconhecer o meu rosto

a Mamãe Noel não usa barba (não as que eu conheço). Me escondi no quarto do sobrinho/afilhado Marcio e fiquei esperando o sinal para entrar. Minha comadre Alline ajudou com a maquiagem e no gargarejo o cumpadre Rafael, a Gika e minha mais recente afilhada, Alice – um milhão de corações

O Naldo, filho da Dona Lucia, era meu cúmplice. Ele iria representar o Papai Noel. Estávamos nervosos e ansiosos. É um papel muito importante para ser encenado

só na hora de entrar em cena eu percebi como era importante nosso trabalho ali

estávamos apresentando um mito às crianças

algumas esperam o ano inteiro para ver o Papai Noel e receber o presente

outras, maiores, satirizam a performance e ficam te provocando para descobrir a identidade secreta

um me perguntou como era meu nome no Facebook, eu respondi: Mamãe Noel

– Não, fala seu nome de verdade porque eu quero te marcar na foto

ele me desarmou. Cochichei na hora meu nome pra ele e encostei o indicador sobre os lábios fechados pedindo psiu…carinha amarela piscando o olho direito

quebrei uma das principais regras da brincadeira. Estraguei o segredo da mágica. Pra ele, não pra mim

fui cercada durante duas horas de beijos, abraços e muitos, muitos agradecimentos. Teve uma bem pequenininha que me agarrou pelo pescoço e desabafou: Ah, Mamãe Noel, eu te amo!!!

ahhhhhhhhhhh…derreti na hora…quem aguenta uma declaração assim direta, honesta, na cara???

tá bom, tá bom, eu sei, ela estava falando com a personagem mas naquele momento a personagem era eu…kkkkkkkkkk

se você tem problemas e uma vida difícil indico de coração aberto se vestir de qualquer ídolo infantil e brincar com crianças. Brincar mesmo, entrar no jogo delas e se deixar levar. É terapêutico, é salvador. Recarrega as energias para viver mais um ano difícil de grana porque fica cada vez mais difícil ganhar dinheiro com literatura, cinema ou teatro

esse eu te amo aí, todos os salves que eu mandei, é nóis, tamo junto, as selfies e os pirulitos que distribuímos (doados pelas agentes e pelos padrinhos e madrinhas)

pode ser até sem fantasia nenhuma, brincar vestido de você mesmo. Brincar de verdade. Olhando no olho. Tomar o chá invisível que ela preparou pra você e comer o ovo que ela fingiu que fritou. Estar presente é brincar junto. E não é só com as crianças que a gente brinca. A gente pode brincar o tempo todo. E a gente sempre escolhe com quem a gente quer brincar

olho em volta e observo a Marcia e a Kely atentas com as comidas, os brinquedos, servindo

o Ailton sempre perto e presente, assessorando

o Lucas e a Melissa arrumando tudo, brincando de trabalhar e trabalhando brincando, juntos

olho para a minha irmã sorrindo

eu usava a roupa e acreditei na magia

mesmo sem a fantasia, Maria Lucia era a verdadeira Mamãe Noel

gente que acredita e faz a gente acreditar

junto, nóis, nozes, árvores

lucimar-mutarelli2

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