OSSOS DO OFÍDIO: ‘Na ilha com Drummond’, por Marcelino Freire

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Escrever é trabalho solitário.

É risco, assim, na areia. Qualquer onda, pronta para apagar.

Por isso, sempre me cerco de outros marinheiros.

Navegantes náufragos.

Conselheiros a bordo.

Nas minhas oficinas de criação literária, cito, entre outros, aquele que fez florescer “A Rosa do Povo”.

Plantou, ali, seus espinhos entre coqueiros. Cuidou, aéreo, de um grande jardim.

Salve e salve.

Falo do poeta Carlos Drummond de Andrade.

Sempre ancoro em alguns poemas dele. Para citar as dinâmicas que ele dá. Os mergulhos nos versos. Improváveis.

Ninguém é capaz de pescar o olhar do poeta.

Explico: não é óbvio. Até parece “óbvio” dizer isto. O tempo inteiro ele segue, certeiro, na condução do poema. Fugindo do lugar-comum. A exemplo: no clássico “José”. Os verbos, ali, enumerados, não enfileirados. Verbos com alma. Inusitados. E o ritmo que ele vai truncando a cada passo.

Sedento.

Todo poeta é sedento.

Não ouso, pois, me alongar.

É horizonte demais à vista. E, por aqui, pouco tempo.

Digo que, recentemente, eu estava relendo o seu “Passeios na Ilha”, de 1952.

E me abastecendo das anotações do poeta. Exatamente sobre a vida literária. E as letras, como nadam, nas páginas.

Eis algumas de suas impagáveis considerações.

Tão atuais, porque profundas.

Abro aspas para Drummond, a saber:

(1) Romance: arte de destelhar casas sem que os transeuntes percebam.


(2)
 Eleito por 29 votos, numa revista, o maior poeta vivo do Brasil. O Brasil tem quarenta milhões de habitantes.


(3) 
Impressionante a sabedoria de suas vírgulas. É incapaz de misturar duas tolices na mesma frase.


(4)
 Escritor: não somente certa maneira especial de ver as coisas, senão também impossibilidade de vê-las de outra maneira qualquer.


(5)
 Como escreve bem! Sua língua, de tão perfeita, chega a aborrecer. Procura sempre a palavra mais cintilante. Eu, a mais pobre.


(6)
 Com o moço que nos visita sobraçando um maço de papéis datilografados entra-nos em casa, fatalmente, um inimigo.


(7)
 Economia nas dedicatórias. Sempre haverá tempo para enfeitá-las, e todo ele será escasso para corrigi-las.


(8) 
É menor pecado elogiar um mau livro, sem lê-lo, do que depois de o haver lido. Por isso, agradeço imediatamente depois de receber o volume. Não há vida literária plenamente virtuosa.


(9) 
O convívio das letras de ordinário não cria amigos, mas cúmplices.

Daí, fecho aspas.

E sigo, menos (ou mais) solitário.

Aquelabraço.

marcelinofreire

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