era um cantor preto, careca, voz de
sereia, o meu cantante preferido daquele programa que, em meados dos anos 90, estava só
começando, mas
agora
já é a velha forma de reality
show.
Eram uns 15 cantores concorrendo a sabe-se lá o que, tinha a ver com 1 prêmio em dinheiro e
Vaidade, todos
tentavam muito ser o melhor segundo o público e os
jurados. Eu,
só tinha olhos pro meu calvo cantor preto.
Ele não era como os outros, bitolados na tela da televisão. Ele,
era trejeitado pra falar quando não estava cantando mas
na hora das suas apresentações
ele deixava
o acaso agir e destampava o palco que virava um buraco fundo de muito blues e sou(l). Eu acreditava em deus ouvindo esse homem
cantar. Ele carregava na voz
Aberta
a história da família inteira, a vó cantava na beira
do Rio
Lavando roupa, a dela e da metade da vizinhança, mulher-trabalho,
a gordura
nunca a impediu de acordar cedo todos os dias e
que Timbre!
A bisavó era coro na Igreja, ficou mais famosa que o padre, o pessoal só ia na missa pra ouvi-la
cantar. Rezava o terço em voz de lamuria e nunca se ouviu coisa mais bonita
em toda Minas
gerais.
O pai
Cantava na Obra e a voz do homem
se ouvia lá do último andar no prédio que morava colado no que ele construía.
Depois andando pro ponto de camisa aberta e
a pinga,
ninguém dava nada pelo sujeito, um tipo cu seco, vesgo, boca torta. Agora da janela dos prédios tinha gente que chorava ouvindo o homem cantar. Dona Dora, a síndica, dizia pro marido que pagaria até ticket
em teatro grã-fino só pra conhecer o dono
da voz
do blues. O marido ficava puto. E passava duro na rua
pelo pai do meu preto, procurando o maldito cantor que deixava Dona Dora tão acesa sem nem desconfiar
da reza
1/3.
Essas historias,
meu cantor contava em entrevistas rápidas
nos bastidores do vídeo Show. Suas falas nunca eram protocolares,
Ele aumentava as lentes das câmeras de televisão e chegava imenso na gente sentada no sofá o assistindo, aquele sujeito
Era Incrível. Eu tinha 10,
11 anos, pouca coisa pra fazer na parte da tarde e um dia,
No programa dos cantantes,
meu cantor ficou na Berlinda,
Estava pra sair do programa e dependia das nossas
ligações. Pediu ajuda olhando pra`s câmeras, eu gelei.
As minhas tardes sem ele, imagine, ficariam
Desastrosas de tristes naquele calor horroroso de novembro, minha mãe me chamando
Pra secar louça e eu
sem desculpas pra dar de que estou fazendo
Outra coisa, mãe, agora não, porque eu não estaria fazendo absolutamente nada e ela perceberia, meu ócio estava por 1 fio. Além do mais o preto ainda não tinha cd gravado,
o programa era a sua chance,
aos 11 anos eu não sabia que existia Muddy Waters e Nina Simone, meu cantor era único e eu queria que ele tivesse
todas as chances do mundo, meu primeiro
grande
Amor.
Peguei o telefone e disquei o zero
800
do time dele. Liguei quantas vezes, 1000,
2000? Eu tinha tempo, era menina e meu preto
saiu coisa nenhuma do programa, ficou que foi uma beleza até a semifinal, o problema foi quando
veio
a conta de telefone e meu pai gritou meu nome
lá da cozinha de
cinta
com uma voz
Rasgada
que não lembrava em nada
meu cantor voz de
sereia.
Aline Bei
A busca ou o processo.
(nunca o pronto)