CABRAS – cabeças que voam, cabeças que rolam tem como tema central a Guerra. Porém, a guerra que encontramos na nova criação da Cia Teatro Balagan transcende o confronto direto em campo de batalha, ela é sonhada, esperada, narrada, fazendo-se presente em outras dimensões da experiência humana. Não é a guerra dizimatória, mas aquela que pressupõe e mantém a relação com o Outro – o Inimigo –, e que está presente nas manifestações sagradas e nas festividades, como atos de constante resistência e criação.
A investigação das matérias cênicas que, a princípio partiu do Cangaço, dos movimentos de resistência ao Estado, das guerras não oficiais, intituladas como revolta, ou banditismo, sempre fortemente reprimidas, e que findaram em geral com a decapitação e exposição das cabeças de seus líderes, se delineou em torno da tríade Guerra-Festa-Fé, três aspectos intrínsecos de uma ação de resistência e luta, cujos desdobramentos suscitaram uma diversidade de temas que tecem e constituem o território do espetáculo: o inimigo, a vingança, os conflitos parentais, o nomadismo, a cerca, o ethos guerreiro, o valor da palavra, entre outros, abordados sob diversas perspectivas culturais.
Do cangaceiro e do samurai, da mitologia hindu e da indígena, da cabra de João Cabral e da cabra de Dionísio, do pandeiro e da rabeca, da dança dos caboclinhos e dos cantos das Caixeiras do Divino, dosestudos biomecânicos e dos arquétipos animais do Kempô compuseram-se os corpos que narram, bem como as crônicas narrativas que integram o espetáculo.
O espetáculo, do ponto de vista da linguagem, aprofunda a pesquisa da Cia Teatro Balagan em relação ànarrativa e ao ator narrador, foco de investigação constante desde a fundação da companhia e presente nos espetáculos anteriores, como em Recusa (que estreou em outubro de 2012, em São Paulo e que, desde então, percorreu diversos festivais do país. Foi indicado a 13 prêmios e conquistou seis, entre eles o Shell de melhor direção – Maria Thaís – e melhor cenário – Márcio Medina) e Prometheus – a Tragédia do Fogo.
Cabras, então, é narrado, cantado, tocado e dançado por um bando. Bando de cabras, bando de dez atores – vinte pegadas de alpercatas – que migram constantemente, transitando entre diversas perspectivas e vozes narrativas. O coro se sobrepõe à noção de protagonista e nenhuma personagem se consolida se não como lugar, como uma perspectiva a ser habitada temporariamente. Assim cada ator, transita por tantos lugares quanto são as acepções dadas à própria palavra cabra. Cabra é o animal, é gente, é o homem, é a mulher, é bandido, é polícia, é diabo – origem de expressões (e mitos) populares como “cabra macho”, “cabra safado”, “cabra marcado”, “cabra da peste”, a “cabra cabriola”, “a puta cabra”.
“Para nós o termo evoca a potência transgressora do próprio animal, que não respeita cercas, limites”, diz Maria Thaís.
A composição dramatúrgica, criada por Luís Alberto de Abreu e Maria Thaís, é formada por vinte pequenas crônicas escritas por Luís Alberto de Abreu, que foram organizadas no espetáculo em quatro partes, cada uma contendo cinco textos narrativos: Guerra, Fé, Festa e Fogo-Paz-Fogo.
Guerra – a guerra parental (em que as tensões entre grupos familiares, como um fogo de monturo que, aparentemente apagado, pode reacender-se ao menor vento), do ethos guerreiro, da arma que espera a hora que vai matar.
Guerra-Fé – é a guerra tal qual inscrita nos corpos marcados pela escravidão do negro, pela dizimação cultural do índio, pela submissão do mestiço, a persistir e revelar outras visões de mundos.
Guerra-Festa – que permite a inversão do mundo ou a criação de um mundo sem fronteiras no qual a dimensão simbólica e mítica da guerra, traduz-se em danças, poesias, músicas e vestimentas; e, finalmente,
Guerra – Fogo,Paz,Fogo – é a inevitável alternância entre guerra-paz-guerra, dos cabras “que não se espantam com a aspereza das pedras”.
Resultado da pesquisa e do diálogo travado entre encenadora e dramaturgo, a dramaturgia tem como premissa uma organização não temporal, mas espacial – ou seja, cada narrativa é independente, é um lugar, um espaço em que se configura uma perspectiva, um território; e, a multiplicidade na natureza das vozes, através de crônicas nas quais os objetos, os seres, os animais e os humanos narram os acontecimentos, revelando diferentes perspectivas de mundo.
A escritura cênica em Cabras, como em todos os espetáculos da Balagan, se define a partir do espaço. A longa e profícua parceria entre Maria Thaís e Márcio Medina, diretora e cenógrafo e figurinista da Cia,norteia as escolhas da encenação que diferencia, pelo uso de diversos elementos a composição de cada uma das quatro partes, transformando o Lugar da cena.
Em Cabras o Lugar – formado por um piso-terra, o sol vermelho e um único tronco de árvore – adquire significados e se transforma a partir da presença dos atores, do desenho da cena, dos figurinos, objetos, instrumentos, do desenho da luz e do público, que é parte integrante da cena. São os espectadores, divididos em duas arquibancadas dentro do espaço cenográfico, que criam os limites e a zona de fronteira da encenação.
Os figurinos são cromaticamente diferenciados a cada bloco e se transformam através de sobreposições a uma roupa-base que remete à forma da calça usada no Cangaço, agregando a ela os aspectos dos guerreiros, religiosos ou traços animais, como a própria figura da cabra.
O repertório musical e sonoro foi investigado e praticado durante todo o processo de pesquisa e é o resultado do trabalho de muitas mãos – direção, atores, do músico Alício Amaral, que foi professor de rabeca durante todo o processo – e, na versão final do espetáculo, contou com a Direção Musical de DrMorris. A sonoridade, construída a partir de dois instrumentos principais – a voz e a rabeca – é formada por cantos tradicionais (Brasil, México), cantos que remetem ao Cangaço, além de músicas especialmente compostas para o espetáculo.
O Processo de pesquisa
A pesquisa e a construção do espetáculo foram realizadas no decorrer de dois anos e meio e viabilizadas fundamentalmente pelo Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, que contemplou parte da pesquisa em sua 22ª e a etapa de conclusão do espetáculo na sua 26ª edições, além do edital Proac 08/2014, que possibilitaram no processo de investigação e criação o compartilhamento com o público – através de encontros com teóricos, pesquisadores e artistas, exibição de filmes, etc. – além da realização de oficinas, de uma viagem de campo à região fronteiriça dos estados de Minas Gerais, Bahia e Goiás e a realização de quatro versões experimentais do espetáculo, apresentadas no período de maio a novembro de 2015.
A CIA TEATRO BALAGAN
Balagan é uma palavra presente em diversos idiomas como o russo, o turco, o árabe e o hebraico e pode significar teatro de feira, baderna, bagunça ou confusão. Essas definições provocam o projeto artístico da Cia, na atitude criativa e aludem a vozearia, a coexistência – em fricção – de múltiplas vozes.
Desde seu surgimento os trabalhos da Balagan assumem uma dimensão pedagógica que abrange artistas e espectadores na medida em que propõem longos períodos de pesquisa e experimentação, nos quais o trânsito entre a criação em sala de ensaio e os momentos de abertura pública conjugam dois pólos da prática cênica: o fazer e o ver. É neste trânsito que as perspectivas teatrais possíveis, suscitadas pelo contato artesanal com as matérias escolhidas, se revelam.
Em 1999, a Cia estreou seu primeiro espetáculo, Sacromaquia. Desde então foram criadas outras cinco obras: A Besta na Lua (2003/2004), Tauromaquia (2004/2005/2006), Západ – A Tragédia do Poder (2007),Prometheus – A Tragédia do Fogo (2011 – em repertório) e Recusa (2012 – em repertório). Os espetáculos mereceram indicações e premiações da crítica especializada, circulando por todo o Brasil e, em 2014, a Cia Teatro Balagan foi reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial da Cidade de São Paulo (junto a um conjunto de vinte e dois (22) teatros independentes da cidade) por suas atividades de valor cultural referencial para a construção da identidade paulistana.
Ficha Técnica
Atores: André Moreira, Deborah Penafiel, Flávia Teixeira, Gisele Petty, Gustavo Xella, Jhonny Muñoz, Maurício Schneider, Natacha Dias, Val Ribeiro e Welligton Campos.
Direção Maria Thaís
Texto Luís Alberto de Abreu
Dramaturgia Luís Alberto de Abreu e Maria Thaís
Cenografia e Figurino Márcio Medina
Preparação Musical Direção Musical Dr Morris
Preparação Musical (Rabecas) Alício Amaral
Iluminação Aline Santini
Divulgação Adriana Monteiro
Fotos Alexandre Catan
Produção Géssica Arjona
Assistente de Direção Murilo De Paula
Assistente de Cenografia e Direção de Palco Marita Prado
Assistente de Figurino Thais Teresa Lacerda Franco
Montagem e Operação de Luz Michelle Bezerra
Técnico de Montagem Mateus Fiorentino Nanci
Assessoria Sonora (acústica) Kako Guirado
Design Gráfico Regina Cassimiro
Ilustrações Paloma Franca
Design da marca Cabras Pedro Matallo
Captação e Edição de Vídeo Fernando Bergamini
Assistentes de Fotografia Juliana Borghi e Renan Martins
Secretaria Danilo Correa
Estagiário Felipe Boquimpani
Apoio Produção Ana Chiesa Yokoyama
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Preparação Musical e Corporal
Professor de Rabeca Alício Amaral
Pesquisa e Repertório Musical Atores (que participaram de todas as etapas de pesquisa e criação), Alício Amaral e Maria Thaís
Composição Musical Alício Amaral, André Moreira, Deborah Penafiel, Dr Morris, Flávia Teixeira, Gisele Petty, Gustavo Xella, Jhonny Muñoz, Maria Thais, Maurício Schneider, Natacha Dias, Val Ribeiro eWelligton Campos.
Oficina de construção de Rabeca Mestre Sebastião Pereira
Oficina de Kinomichi Christiana Cavalcanti
Oficina Introdução à exploração do canto vibratório e Encontro com Maud Robart (outubro de 2014)
Preparação Kempô Alexandre Gusmão
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Cenário
Himawari8 (árvore, banco de bambu e sol);
Marita Prado e Nilton Araujo (piso)
Figurino
Costureiras(o) Antônia Soares da Cruz (couros), Benê Calistro, Célia Calistro, Cidinha Calistro (roupas de papel), Conceição Aparecida da Silva (hakamas), Judite de Lima e equipe – Dilma Tibiriça, Dirlene Emílio, Maria Lúcia da Silva e Teresinha de Lima – (roupa base, roupa branca e vestido vermelho), Domingo Soriano Venialgo (reformas)
Tratamento Cesar Rezende de Santana (envelhecimento); Leka Oliveira – Atelier Etno Botânica(tingimento roupas de barro) e Tinturaria Jam (tingimento hakamas)
Adereços
Cabeças Juliana Notari (com assistência de Fábio Supérbi ); Máscara de arame Renata Sandoval ; Máscara de gravetos Murilo De Paula; Boizinho – construído para o espetáculo Tauromaquia Heloísa Cardoso
Serviço
CABRAS – cabeças que voam, cabeças que rolam
uma criação CIA TEATRO BALAGAN
CENTRO CULTURAL SÃO PAULO
Sextas e Sábados às 21h
Domingos às 20h
Até 13/03/2016
R$20 (inteira) e R$10 (meia-entrada)
http://www.centrocultural.sp.gov.br/
Ingressos na rede: https://goo.gl/qEh1GW
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Centro Cultural São Paulo
Rua Vergueiro, 1000
Liberdade – Oeste
São Paulo
Estação Vergueiro (Metrô – Linha 1 Azul)
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Classificação: 12 anos
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Este projeto foi contemplado pelo Programa Municipal de Fomento para a cidade de São Paulo.
CABRAS é uma realização da Cia Teatro Balagan, Cooperativa Paulista de Teatro, Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e Centro Cultural São Paulo.
CABRAS tem o apoio de GAM Yoga, Studio Yengar Yoga São Paulo, Galpão da Dança, Piloin, Luna di Capri, Planeta’s Restaurante, Ponto Chic, Rancho Nordestino, Cachaça de Jambu Meu Garoto e Cachaça Busca Vida.
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Casa Balagan
Al. Olga, 444
Barra Funda, São Paulo / SP
(11) 3667-4596