no escritório do meu pai tinha 1 dicionário
do tamanho de uma janela de banheiro em um apartamento pequeno, mas
por ser dicionário
ele era
Imenso,
o meu de escola cabia na mão, esse
precisava do colo pra caber em pessoa.
eu passava as tardes
no escritório
esperando voltar pra casa, quando dava a hora de ir eu sentava no carro em cima da maleta
do meu pai pra alcançar a vista da janela,
se não assim eu caía no
sono
que ver do carro só o carro por dentro me dava olho
pesando e também
que tarde.
eu estudava de manhã
e ficava no escritório até de noite, fazia lição, tomava lanche que meu pai nunca esquecia, tirava cochilo na mesa, às vezes na cadeira e minha cabeça um chumbo pra frente e
pra trás: acordava. pulava no sofá da recepção, os clientes diziam:
-que bonitinha
a sua filha.
o relógio
aqui
morreu, pai.
eu jogava no computador, muitos computadores
um em cada mesa, alguém saia mais cedo por médico ou reunião e eu usava o computador de quem saia, na gaveta
grampo, cola, documento, clips cor de
cinza.
às vezes eu andava
de mão dada com a babi secretária
pelas ruas do centro
comercial, ela tinha unhas grandes que me deixavam com vontade de ser mulher logo, ter a minha idade e nenhum peito
não estava me ajudando no amor que eu sentia pelo professor
de educação física.
do passeio com babi eu gostava mas não era sempre que acontecia porque secretárias precisam ficar perto do telefone o tempo todo.
meu triste
só acabou no dia que eu descobri o dicionário
na prateleira da sala do
esteban, pedi:
-posso ver
aquele livro?
me chamou atenção a borda
dourada e
preta, me lembrou o carnaval quando ninguém está olhando.
-posso ver? insisti porque
me ignoravam, eu era
criança e os adultos pensam que as crianças esquecem quando eles fazem silêncio.
finalmente o esteban pegou e
me deu,
era pesado
com todas as palavras do brasil.
pra quem sonha e quer contar, esse era o dicionário perfeito.
sentei no sofá e comecei a
ler.
as palavras
e os significados das
palavras davam um conto.
um mini conto, o resto eu imaginava e brincava de boneca loira contando a história da
Alvorada, era 1 vez um
Clima, eu sempre quis saber o que era
Tortilha
Mascavo
Pedraria
Antiquário
e minhas tardes viraram um trilho do trem que era eu me
divertindo, cortando
as cidades das
letras que quando se juntam dão
música da mais antiga, o mundo
é mundo possível de se falar sobre por conta das palavras, eu esquecia até de fazer a lição de casa. mentia:
-já fiz.
quando me perguntavam e nunca mais reclamei do tédio até hoje.