É um chavão falar que o Brasil é o país da conciliação. Na tradição do acordão, o demônio de ontem é o aliado de hoje, a depender do estoque no atacado e da demanda no varejo. Mas há afinidades eletivas que surpreendem.
Um editorial da Folha de São Paulo, Luciana Genro e Marina Silva fazendo coro é uma situação, no mínimo, diferente. Não é qualquer coisa: duas lideranças de importância e o jornal de maior circulação do país.
Isso pra ficarmos apenas no plano da inocência, que não existe. Nem inocentes úteis. Disputa política é feita com cálculo e senso de oportunidade. Cabe a quem defende cada posição avaliar as decorrências do que prega.
Neste caso, tudo pode ser resumido a um mesmo remédio: novas eleições, para garantir legitimidade a um novo governo. Ora, chamar eleições gerais com o clichê de que ‘o povo deve ser ouvido’ é algo extremamente raso.
Com base no mesmo argumento, caberia responder que ele foi ouvido há menos de ano e meio atrás. O que há agora é briga de cachorro grande, também chamada de ‘crise’: mídia, empresariado, partidos, lideranças e militância procurando, cada um e sem exceção, tirar seu naco.
Mas é bom. Nesse momento é possível ver que um projeto de sociedade democrática, no Brasil, raramente existiu, engolfado que sempre esteve em mesquinharias, corrupção, e uma ridícula fragmentação das esquerdas, que deveriam por princípio defendê-lo.
De qualquer modo, isso é voltar ao plano da utopia. O Brasil sempre foi sabotado por uma elite bandida e uma esquerda que age por cálculo, mesmo pesada a convicção superficial dos trocentos textos, ‘teses’ e ‘programas’, que nos enfiam goela abaixo.
Mas desconfio que um projeto de país é a única inocência que deve ser tolerada. E esse projeto não começa por sabotar o pouco que foi construído.