A bola azul de Gagarin
Pra mim, a terra não é mais a bola azul que Gagarin viu lá de cima. Agora ela é o que pesa sobre meu corpo.
Será assim, será assado, diziam. Você vai pra um lugar iluminado, entra num túnel, vê um ente querido vindo em sua direção…
Foi tudo muito diferente. As últimas cenas de que me lembro foi o tal filme da minha vida. Pra quem nunca se debruçou sobre o próprio passado, pode ter alguma graça, mas pra mim, que rebobinei a fita mil vezes, confesso que não deu um curta que preste.
Você fica sabendo da sua morte pela cara dos que estão ao redor. São eles que atestam nosso fim.
Garanto que é boa a sensação de livrar-se da matéria. Ver o corpo, fonte de tantos tormentos, desaparecer dentro da roupa que alguém escolheu pra que fosse a última que você vestisse.
O trincado no braço que quebrou, a marca da pedrada na cabeça, a lordose ainda resistirão por um tempo.
Desaparecido o corpo, é a vez do espírito, que também acaba virando fumaça.
Desde então tenho vivido na mais absoluta solidão. Ninguém veio me receber nem fui chamado pra lugar nenhum.
Passageiro perdido na estação à espera de alguém que chegue com um bilhete, um número de quarto.
A paciência foi sempre minha maior virtude. Agora percebo sua utilidade. Pelo jeito, a coisa vai longe.
★★★