– Levantaram a cerca da fábrica, já viu?
– Dá pra pular.
– Já pulou?
– Inda não. Durante o dia eles deixam gente cuidando. Acho que à noite também. E tem gente armada. Por modo de quê? Será que tão mexendo com ouro?
– Não é só ouro que dá dinheiro. Tem mais coisa que dá dinheiro. Eles não querem ninguém nem sabendo o que é. Mas não conhecem povo, parece. Que quanto mais esconde mais quer saber.
– O seu pai não trabalha pra eles?
– Ele só carrega caixote na carroça. Da fábrica até depois do rio. Descarrega no armazém que toda
semana passa um caminhão e recolhe.
– E ele nunca abriu um caixote desse?
– Nunca. Não é bobo. Se abrir mandam embora.
– Mas ele não sabe se é pesado?
– Diz que é pesado.
– Não tem nada lá dentro que chacoalha?
– Acho que não.
– Ele nunca perguntou o que tem que carregar?
– Ele disse que não gostam de gente metida a besta. Ele atura. Pagam bem. Disse que vai trabalhar té fazer uma caixinha e depois largar.
– Por quê?
– Não gosta de entrar lá. Não gosta da fumaça. E o pessoal usa umas roupas esquisitas, tem um cheiro esquisito, fala esquisito.
– Onde aquele pessoal todo que trabalha lá mora?
– Nuns dormitórios que construíram atrás da fábrica. Aí só vêm aqui pra comprar comida, pra beber, pra ir na casa da dona Salete.
– Meu tio viu um desses homens um dia no ferreiro. Ele queria consertar uma chave de alguma coisa. Uma coisa grande assim, parecia um porrete com a cabeça redonda, uma bolinha pra regulagem. Disse que era uma ferramenta que usam lá.
– Isso o meu pai disse. Que várias coisas que eles usam a gente nem conhece.
– E o rio, que azedou depois que eles chegaram?
– Lá em casa tamos pegando água do Toquinho. É mais longe mas tá melhor. Acha que a grama tem a ver com eles?
– Eu acho. Mas não sei como eles fazem.
– Ontem o Barnabé ficou preso, a grama amarrada na patinha. Latiu um monte até eu ir ver o que era.
– A grama tava amarrada?
– É. Estranho, né?
– O meu pai disse que a grama prendeu a enxada dele no pomar. Que não soltava de jeito nenhum. Aí colocou gordura em cima e tacou fogo.
– Eu queria que esse pessoal fosse embora.
– Meu pai disse que vieram pra ficar. Tão só começando. Disse que daqui a pouco o pessoal todo vai trabalhar lá. Disse que vão trazer carro, moto.
– Pra cá? Não. O chão é ruim. Por isso que o caminhão não desce aqui.
– Ele disse que vão alisar o chão. Um dia. E que os cavalos comendo essa grama ruim é só questão de tempo até adoecerem, não vai sobrar um. Por isso acho que é coisa da fábrica. Pra acelerar o processo, sabe.
– Mas a gente precisa de cavalo. Pra arar a terra e tudo. O seu pai precisa, pra carregar os caixotes deles.
– Pode ter certeza que vão achar outro jeito.
– Por que eles vieram? A gente se virava sem problema antes.
– Não sei. Mas papai disse que até demorou pra chegarem. Manarairema, Taitara, Platiplanto, todas essas cidades aqui perto já foram tomadas pelas fábricas.
– Eu gostava do jeito de antes.
– Eu também. Mas gente mais inteligente que a gente não gostava.
– É.
– É.