Santiago Santos: Dos latidos proféticos de Barnabé

estemesmo

– Levantaram a cerca da fábrica, já viu?

– Dá pra pular.

– Já pulou?

– Inda não. Durante o dia eles deixam gente cuidando. Acho que à noite também. E tem gente armada. Por modo de quê? Será que tão mexendo com ouro?

– Não é só ouro que dá dinheiro. Tem mais coisa que dá dinheiro. Eles não querem ninguém nem sabendo o que é. Mas não conhecem povo, parece. Que quanto mais esconde mais quer saber.

– O seu pai não trabalha pra eles?

– Ele só carrega caixote na carroça. Da fábrica até depois do rio. Descarrega no armazém que toda
semana passa um caminhão e recolhe.

– E ele nunca abriu um caixote desse?

– Nunca. Não é bobo. Se abrir mandam embora.

– Mas ele não sabe se é pesado?

– Diz que é pesado.

– Não tem nada lá dentro que chacoalha?

– Acho que não.

– Ele nunca perguntou o que tem que carregar?

– Ele disse que não gostam de gente metida a besta. Ele atura. Pagam bem. Disse que vai trabalhar té fazer uma caixinha e depois largar.

– Por quê?

– Não gosta de entrar lá. Não gosta da fumaça. E o pessoal usa umas roupas esquisitas, tem um cheiro esquisito, fala esquisito.

– Onde aquele pessoal todo que trabalha lá mora?

– Nuns dormitórios que construíram atrás da fábrica. Aí só vêm aqui pra comprar comida, pra beber, pra ir na casa da dona Salete.

– Meu tio viu um desses homens um dia no ferreiro. Ele queria consertar uma chave de alguma coisa. Uma coisa grande assim, parecia um porrete com a cabeça redonda, uma bolinha pra regulagem. Disse que era uma ferramenta que usam lá.

– Isso o meu pai disse. Que várias coisas que eles usam a gente nem conhece.

– E o rio, que azedou depois que eles chegaram?

– Lá em casa tamos pegando água do Toquinho. É mais longe mas tá melhor. Acha que a grama tem a ver com eles?

– Eu acho. Mas não sei como eles fazem.

– Ontem o Barnabé ficou preso, a grama amarrada na patinha. Latiu um monte até eu ir ver o que era.

– A grama tava amarrada?

– É. Estranho, né?

– O meu pai disse que a grama prendeu a enxada dele no pomar. Que não soltava de jeito nenhum. Aí colocou gordura em cima e tacou fogo.

– Eu queria que esse pessoal fosse embora.

– Meu pai disse que vieram pra ficar. Tão só começando. Disse que daqui a pouco o pessoal todo vai trabalhar lá. Disse que vão trazer carro, moto.

– Pra cá? Não. O chão é ruim. Por isso que o caminhão não desce aqui.

– Ele disse que vão alisar o chão. Um dia. E que os cavalos comendo essa grama ruim é só questão de tempo até adoecerem, não vai sobrar um. Por isso acho que é coisa da fábrica. Pra acelerar o processo, sabe.

– Mas a gente precisa de cavalo. Pra arar a terra e tudo. O seu pai precisa, pra carregar os caixotes deles.

– Pode ter certeza que vão achar outro jeito.

– Por que eles vieram? A gente se virava sem problema antes.

– Não sei. Mas papai disse que até demorou pra chegarem. Manarairema, Taitara, Platiplanto, todas essas cidades aqui perto já foram tomadas pelas fábricas.

– Eu gostava do jeito de antes.

– Eu também. Mas gente mais inteligente que a gente não gostava.

– É.

– É.

santiago santos

Drop originalmente publicado no Flash Fiction
Arte da vitrine por Jean Fhilippe

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