ela tinha o cabelo loiro
inalcançável pra mim que nasci de raiz
preta,
as tintas de cabelo
eu ainda não sabia que existiam,
via na farmácia mas achava que eram pastas
de dente com aquelas mulheres sorrindo que não pareciam em nada com as minhas tias ou com a minha
mãe.
um bebê da família que diziam é sua prima
foi batizado e cresceu, ganhei o vestido de renda que logo botei na Bianca,
ficou um pouco grande mas deu, amarrei atrás
com fita.
penteava o cabelo dela com tanta Estima que meu corpo ficava até amolecido,
penteava mais o dela que o meu, mal me olhava no espelho,
os olhos de Bianca refletindo bolas
de gude.
trabalhava muito
pra cuidar dela,
ia no mercado com a minha mãe e aquele peso de boneca nos meus braços.
– não precisava trazer. –minha mãe dizia,
eu não podia deixar ela em casa, eu pensava,
inclusive levava muda de roupa pra trocara a Bianca
quando a gente do mercado emendava passeio pro restaurante.
eu trocava a fralda sempre limpa no carro que boneca é vazia por dentro, não tem órgão, mas naquela época
eu pensava que sim.
a Bianca fazia aniversário todo ano no meu dia. comemorávamos juntas, eu crescendo ela não, minha mãe olhava
com pena
de um dia aquilo acabar pra entrar
a dor
de crescer,
se apaixonar,
beijar na
boca,
chupar o primeiro
pinto, se for o caso de gostar de menino,
engordar peito bunda coxas, a menstruação, fechar direito
o absorvente pra não vazar no lixo e todo mundo ver
o meu sangue de dentro
e pensar:
caramba. aquela menininha da casa 12
cresceu,
ela já pode fazer um filho
e largar
aquela boneca
que eu larguei,
doei a Bianca no natal de 98.
foi para uma menina menor bastante confiável no jeito de olhar
que morava na rua e sua mãe não tinha marido. ou medo.
-então você não tem pai? –perguntei.
-não.
meu pai eu tinha
mas ele trabalhava tanto que parecia que eu não tinha.
no meu último aniversário com a Bianca eu ainda fazia a voz
fininha que era dela
mas já estava começando a sentir vergonha de fazer na frente da família,
os primos crescidos ficando
peludos.
eu mesma
já tinha um pequeno seio mais bico que carne e estava parando de usar biquíni sem shorts,
meu tio Jorge me olhava esquisito
quando eu pulava na piscina
desde aquela vez que meu peitinho escapou
pro lado,
aquele último aniversário
esfregou o
Tempo passando
na cara de todos nós.
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