Cobra Norato’, de Raul Bopp: Obra essencial do modernismo chega às livrarias com nova edição

5b2c5971-ea88-4447-99ac-75a3ac6003bbObra essencial do modernismo brasileiro, o poema “Cobra Norato”, de Raul Bopp, chega às livrarias em agosto pela José Olympio em nova edição. Com projeto gráfico e capa atualizados, além de ilustrações inéditas de Ciro Fernandes, o livro reconta a lenda da índia que engravida da Cobra Grande ao se banhar entre o rio Amazonas e o Trombetas.

Escrito em 1928 e publicado em 1931, “Cobra Norato” nasceu a partir do fascínio de Bopp pela Amazônia, onde viveu por um período. “A estada de pouco mais de um ano na Amazônia deixou em mim assinaladas influências. Cenários imensos, que se estendiam com a presença do rio por toda parte, refletiam-se com estranha fascinação no espírito da gente. A floresta era uma esfinge indecifrada. Agitavam-se enigmas nas vozes anônimas do mato. Inconscientemente, fui sentindo em nova maneira de apreciar as coisas. (…) Procurei restituir, em versos, impressões recolhidas em minhas andanças na região. Senti claramente o desgaste das antigas formas poéticas, de vibrações silábicas em uso”, diz o próprio autor, em trecho publicado na introdução do livro.

Esta edição traz ainda uma entrevista com Bopp e um pequeno resumo sobre a publicação de sua obra no Brasil e no exterior.

TRECHO:

Mar desarrumado

de  horizontes elásticos

passou toda a noite com insônia

monologando e resmungando

Chegam ondas cansadas da viagem

descarregando montanhas

Fatias do mar dissolvem-se na areia

Parece que o espaço não tem fundo…

– De onde é que vem tanta água, compadre?

 

ORELHA:

Cobra Norato é um texto emblemático da primeira fase do modernismo brasileiro. Raul Bopp diz que começou a escrevê-lo em 1921, quando era estudante de Direito em Belém. Ali, na casa do amigo Alberto Andrade Queiroz, ele começou a tomar conhecimento das revistas vanguardistas que chegavam da Europa, sobretudo no movimento ultraísta espanhol. Mas o que marcou a origem do poema foram os trabalhos de Antônio Brandão de Amorim, nos quais Bopp sentira “um forte sabor indígena”. Um mundo em que “as árvores falavam”, “o sol andava de um lugar para o outro” e apareciam diminutivos de verbos como “estarzinho”, “dormezinho” e uma mãe dizia à filha: “Não olhes tão de doer nos olhos dele.”

Ao lado disso, aqui e ali, Bopp ia se deixando impregnar pelas lendas amazônicas. Andando de canoa rio-abaixo-rio-acima acabou contaminado pela lenda da Cobra Grande. Lenda que tem algumas variantes. Uma delas é a do Cobra Norato. Diz Câmara Cascudo em seu Dicionário do folclore brasileiro que uma índia se banhava entre o rio Amazonas e o Trombetas, quando foi engravidada pela Cobra Grande.

Nasceram-lhe um menino – Norato – e a menina Maria Caninana. Maria era uma peste e vivia provocando naufrágios. Norato, que era bom, foi obrigado a matá-la. Como penitência, Norato, à noite, passou a transformar-se em um rapaz sedutor, deixando na beira do rio sua longa pele. Diz a lenda que, se alguém conseguisse pingar leite na boca da cobra e ferir sua cabeça, ela se desencantaria e se tornaria só rapaz. Tal façanha foi conseguida por um soldado do rio Tocantins.

Mas há outras versões. Bopp criou uma variante própria. Arranjou uma moça para Cobra Norato – a filha da rainha Luzia. Mas, para cumprir seus propósitos – como revela o poeta –, a personagem tem que “vencer um ciclo exaustivo de provas. Terá que passar por sete mulheres brancas, de ventres despovoados; terá que entregar a sombra para o Bicho do Fundo; terá que fazer mirongas na lua nova”.

Este é um poema estranho. Não segue em linha reta como Martim Cererê (1928), de Cassiano Ricardo, no qual este retoma lendas indígenas para contar a origem do Brasil. É um texto fragmentário, feito de montagens. O autor tenta reproduzir, aqui e ali, falar que entrecortam o texto, exclamações primitivas que parecem vindas de fora da cena.

A ideia original do autor foi escrever uma história para crianças, mas, ao redor de 1929, deu à obra uma “ossatura” para que fizesse parte da Bibliotequinha Antropofágica, que nunca se concretizou. O encontro com o movimento antropofágico, do qual faziam parte Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, foi importante para Bopp; sobretudo o contato com Tarsila, que ele via como chefe do movimento e a quem dedica o poema.

O poético do texto vem menos do tratamento do verso do que da utilização do mito dentro da estética modernista. O autor passou a vida inteira fazendo pequenas correções nas muitas reedições de Cobra Norato. Esteticamente pertence ao primitivismo poético, um esforço intelectual para incorporar a ingenuidade narrativa das lendas indígenas brasileiras.

(Affonso Romano de Sant’Anna) 

COBRA NORATO

RAUL BOPP

Páginas: 96

Preço: R$ 29,90

Editora: José Olympio | Grupo Editorial Record

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