quando eu fiz a luz de um espetáculo que era sobre um casal no começo do amor,
foi o último
espetáculo da minha vida.
a peça
começava com um jazz estourado do Miles Davis
então aparecia
a atriz no palco
de maiô lendo
uma revista. logo chegava também o ator
de sunga
ambos forjando uma praia que o público acreditava quando os atores estavam concentrados e tinham se aquecido bastante.
eu assistia o espetáculo da cabine,
desde os ensaios foi assim.
sentia mais medo de errar fazendo a luz do que quando eu estava no palco sendo atriz, atuar não dava medo nem da coxia, era uma espera com o corpo já em cena.
ali na cabine de luz
meu dedo
tremia de vontade
de acender o foco errado só pra ver se eu tinha mesmo o poder de estragar tudo.
ainda que enlouquecendo,
eu fazia a luz certa
e o espetáculo ficava lindo, dava pra perceber pelas palmas. depois que acabava a peça
eu recebia 70 reais por ter feito o que fiz, por ter
suado ali na cabine meu medo de errar aqueles botões.
–tô trabalhando na parte técnica. – eu dizia quando me perguntavam o que eu estava fazendo ali.
o dinheiro
eu gastava rápido
com esfirras de carne
e até um cigarro
de menta
que na época eu achei legal começar a fumar de cabelo curto, mas
nem isso. eu não tragava, deixava morando na língua o gosto de menta e no rosto uns anos a mais segurando na boca o cigarro, quase não pensava em solidão.
a praça roosevelt era 2007 com alguma inocência ali que morreu
especialmente em mim.
na época eu pensava o jazz
vai salvar o mundo
não é possível um mundo triste quando o jazz existe com tantos músicos sabendo toca-lo tão bem.
na peça
o Miles Davis crescia de um tamanho quando tocava em todos os poros daquele teatro antigo e não tão grande, o miles
era o mar que as pessoas acreditavam que existia pelos olhos dos atores concentrados.
antes de entrar na cabine
eu fumava na calçada sozinha constantemente com a música da peça na cabeça, tum, tum, turururum
quando um moço me disse:
-você é linda.
me pegando de surpresa.
-são seus olhos, – eu disse rindo, fui sincera com uma frase ruim.
de fato eu me achava horrorosa
usava muita maquiagem, naquele dia
eu estava sem.
-não, é Você mesmo. – ele me disse um pouco agressivo,
o sujeito era gordo e experiente, fiquei com vontade de
transar, mas
não disse nada
e entrei pro trabalho dando uma última olhada pra ele que não foi sexual, era mais como um agradecimento.
1 frase
e aquele desconhecido me fez acreditar que eu podia ter o rosto livre e ainda assim ser bonita de algum jeito.
de noite na cama
com o jazz ainda na cabeça e o elogio também, os atores em trajes de banho também,
comigo olhando praquilo tudo do alto,
me perguntei se isso
era ser adulta, afinal.
foi difícil dormir naquela noite. nasceu em mim a morte
da adolescente, eu tinha 20 anos com o tempo não sendo igual pra todo mundo.
em Dezembro
depois que terminou a temporada da peça
eu estava Madura
da cor de um pêssego
e não tão fácil de me fazer sofrer.
sustentava o olhar por mais tempo nas pessoas sem ser brava,
é claro que de vez em quando eu caía no arrogante, depois voltava
pro gentil, não podia me culpar, eu
estava aprendendo.
então que
os dias passaram
por cima do último
espetáculo que
fiz
até virar dezembro
do ano que
veio, sempre o próximo, Atropelado.
estranhamente
o teatro foi se esfacelando em mim feito um pão
velho,
era muita Gritaria em casa porque eu era atriz.
fui desistindo
Lentamente
sem querer e muito
triste,
especialmente muito fraca, herdei essa fraqueza
do meu avô.
agora adultíssima
com os anos passando
sem parar
pisar em um palco de novo me assusta tanto
da cor dos gritos que minha família dava, ainda que o cheiro do taco seja bom em algumas peças que assisto
me dando a leve impressão de que o tempo parou.