Os incas ganham novo sopro de vida em Cuiabá, no dia 18 de outubro, e em São Paulo, no dia 22. É quando o escritor Santiago Santos lança o seu primeiro livro, Na Eternidade Sempre é Domingo. O livro foi contemplado no Edital 2015 de Literatura da Prefeitura de Cuiabá e chega agora às prateleiras.
Na Eternidade Sempre é Domingo traz 20 contos que se entrecruzam para formar uma única narrativa: a de uma escritora que faz um mochilão pela Bolívia e pelo Peru acompanhada de Nipi, um enviado da deusa da Linguagem dos incas, encarregado de contar à viajante histórias esquecidas do seu povo.
Os contos atravessam o reino que se tornaria o maior império da América do Sul, passando pelos anos de cada um dos seus 14 reis em sucessão direta, pela chegada dos espanhóis no continente, pelos reis fantoches instalados pelos conquistadores e pelos últimos monarcas da resistência de Vilcabamba, que foi definitivamente esmagada pelos espanhóis em 1572.
Para retratar com fidelidade essa época, o escritor fez uma pesquisa extensa: “Meu objetivo era retratar o cotidiano desses personagens, revelar seus rituais, suas leis, suas perspectivas. Para isso, utilizei como referência principal o livro Comentarios Reales de los Incas, escrito em 1609 por Garcilaso de la Vega, filho de uma nobre inca e um comandante espanhol, que viveu em Cusco durante sua infância e juventude. Um nativo, ele foi capaz de descrever os costumes do seu povo de um ponto de vista privilegiado, algo que os cronistas estrangeiros não possuíam”.
Cusco, nascedouro dos incas e capital do turismo histórico no Peru, e La Paz, cidade dos morros abundantes e ar rarefeito na Bolívia, são paisagens centrais do livro, assim como cidades menores na rota terrestre que serpenteia pelos dois países. Os contos são precedidos por fotos de personagens, locais ou objetos que tiveram lugar de destaque nas histórias que vêm à tona. Além de navegar pelo terreno aventuresco do relato de viagem (o trajeto é baseado em um mochilão que o autor fez em 2014) e pela ficção histórica, alimentada pelos diálogos de Nipi, Santiago dá sua própria nota de inventividade: um desvio pelo fantástico.
“Todas as histórias seguem a ordem natural dos eventos na época, mas em algum ponto divergem completamente, que foi minha maneira de brincar dentro da mitologia e da história incaica. Não dá pra levar o que se lê ao pé da letra; é sobretudo um livro de ficção”, diz o autor.
Santiago, que escreve drops literários no site Flash Fiction (flashfiction.com.br), é veterano na escrita de minicontos, que se limitam a mil palavras. É nesse gênero que se inscreve a maior parte do livro. “São contos de 4 a 6 páginas, que privilegiam a concisão”, comenta Santiago.
Em parceria com o Flash Ficition, Santiago Santos é colunista do Livre Opinião – Ideias em Debates com publicações semanais
Na Eternidade Sempre é Domingo será publicado pela editora Carlini & Caniato. Depois do lançamento estará disponível no site da editora e em formato ebook nas principais lojas virtuais.
Confira o Book Trailer do livro:
Trecho inédito do livro, retirado do capítulo 12, RIMAQ
Suas histórias ao redor do fogo eram tão magnéticas que a fogueira podia se extinguir e das cinzas nascer uma árvore e da árvore se extrair a lenha para uma nova fogueira, que queimaria sem os ouvintes perceberem que os anos se passaram e suas barbas e cabelos aconchegaram os animais e a terra e seus dentes sem uso amoleceram e caíram e seus músculos afinaram e sua língua preencheu a boca, a garganta e o próprio estômago, ocultando a fome enquanto os ouvidos se enchiam da irresistível eficácia de qualquer narrativa, até mesmo a mais simplória, como a de um homem que conta uma história ao redor do fogo.
Ele nasceu na época do sexto rei, Inca Roca, e já conquistara reputação quando chegou a Cusco. O monarca retornava de uma viagem e encontrou a capital deserta. Atraído pelo barulho, descobriu aglomerações de pessoas bloqueando os acessos à praça central, avançando sobre corpos pisoteados, acotovelando-se, espremendo-se. Somente dispondo do poderio do exército foi capaz de abrir caminho até o centro, onde o rimaq desfiava façanhas imaginárias para os espectadores. Inca Roca, impermeável à sua influência, percebeu os próprios soldados afrouxarem as mãos e baixarem a guarda em poucas frases. Interrompeu o desconhecido e exigiu que se curvasse perante sua autoridade.
O rimaq se sentiu ameaçado diante daquele homem. Mas não perdeu a compostura. Incentivado pelos olhares da plateia, ergueu-se e retrucou que Inca Roca é quem deveria se curvar e entregar o llautu, pois possuía a verdadeira autoridade aquele que os súditos ouviam, independentemente de sangue e título. A multidão balançou a cabeça. O rei, sentindo o cerco se fechar, disse que abriria mão do título com uma condição: ouvir do oponente a maneira de vencer um labirinto cujas paredes, feitas de palavras, escondessem a chave para desvendar todas as línguas.
Satisfeito com os termos do desafio, o rimaq não percebeu que, enquanto narrava, se desdobrava no íntimo o caminho para outra chave. Percorrer o labirinto, um dos símbolos de Runa Simi, abriu as comportas restantes do seu talento, até então despercebido pela divindade. Com o desequilíbrio anunciado, a deusa da Linguagem voltou sua atenção para ele e aguardou a conclusão da narrativa. Uma vez vencidos os desafios e escancarado o baú no coração do labirinto, a metáfora se materializou numa bola luminosa que escalou a garganta e a boca do homem e pairou no ar, brilhando cada vez menos até se tornar uma névoa, dissolvida pelas mãos do rei. Os súditos saídos do transe voltaram para casa esfomeados, exaustos e confusos.
★★★
Serviço
Lançamento do livro Na Eternidade Sempre é Domingo, de Santiago Santos
Cuiabá
Dia 18 de outubro (terça-feira), a partir das 19hs
Choperia do Sesc Arsenal (Rua 13 de Junho, S/N, Centro Sul)
Valor: $$ 25,00
São Paulo
Dia 22 de outubro (sábado), a partir das 19hs
Patuscada Livraria e Café (Rua Luís Murat, 40, Pinheiros)
Valor: $$ 25,00
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