Andar por sobre o degelo estático do asfalto.
O continente antártico inabitado dentro de cada transeunte.
A aventura de atravessar a vida nesse barco eternamente ancorado.
A aventura de atravessar a vida dentro de um naufrágio.
A cidade não se deixa navegar.
Cada edifício é uma onda congelada.
A cidade é um mar onde o tempo não passa.
As duras braçadas, as mãos machucadas por tudo que não tocam.
E os cardumes bípedes sem direção acorrentados à correnteza.
Não percebem que estão submersos.
As guelras tardias tentando respirar a vida. Não mais que isso.
A vida: esse oxigênio que precisa ser separado do dia.
Somos a fisgada na boca.
Somos os peixes que pescam a si mesmos.
Somos os peixes e os anzóis e as iscas.
Somos os peixes que morrem afogados.
Desde que tudo que era sólido tornou-se líquido.
★★★
Ana Mira pensou em ser jornalista. Tentou ser moderna. Tentou ser perfeita. Mas é insegura com a verdade. Não está no Facebook. E ama seus defeitos.