VENTO SUL
de qualquer forma
sul
como promessa de
desengano
melancolia grave
de quando faz frio
trópico de capricórnio
redesenhado na garganta.
(extraído do livro Trapaça)
★★★
DEMOLIÇÃO
somos riacho
que ignora
a correnteza
: criamos atalhos
destruindo pontes
refazemos a margem
à margem de onde
andávamos antes
certeiramente
destroços
(extraído do livro Trapaça)
★★★
DEMOLIÇÃO II
de qualquer demolição
resistirá o construído
fantasma de maquete
se sonhando concretado
sirene de alerta
5 minutos
botão vermelho
disparado
agora poeira:
vento soprado
passado antigo
poema pensado
e não escrito
agora destroços
agora detritos.
(extraído do livro Trapaça)
★★★
Percebam que os olhos-de-gato
podem ser chamados catadióptricos
e talvez até sejam assim nomeados
por especialistas mas por favor
se eu disser que atropelei sete
catadióptricos na rodovia o que
estarei escondendo de mim mesmo
das filhas que não tive da polícia ou
se chegar a este ponto da justiça
se eu simplesmente disser que
atropelei sete catadióptricos na
linha divisória das pistas certa-
mente serei inocentado e talvez
me convença de que não fiz nada
de mais muito além do mal
necessário, porque se fossem
olhos de fato a que donos perten-
ceriam pois sete olhos-de-gato
requerem pelo menos três ou
quatro felinos se nem um dos
três for aleijado e tiver um olho
posto no lugar errado com um ter-
ceiro olho pelo qual em vida tenha
meditado o que não parece ser
muito comum.
catadióptrico
substantivo incomum
que nomeia as luzes
atropeladas
luzes que só fazem luz
quando o carro vai pela
estrada.
de dia
nem um nome tão específico
liberta da vulgaridade
e do esquecimento
as luzinhas que fazem brilhar
os olhos das crianças
em amarelo vermelho
branco quando a luz dos faróis
lhe acerta em cheio no meio
da rodovia.
quem sabe
um nome nos liberte
do peso carregado por anos
dar nomes às coisas
como se o nome
libertasse ou prendesse
mais do que a coisa
a que ele se refere.
★★★
Despertei cedo
como quem se aparta
de um briga.
O dia inteiro pela frente
deve guardar mais insucessos
do que (ainda agora) me acostumo.
Uma semana de férias
ainda para masturbar
autores mortos,
reclamar de abandonos
e desapegos,
tentar vender alguns
livros
e procurar escrever um
poema que não soe como
todos os outros.
★★★
★★★★★★
Marcelo Labes é natural de Blumenau-SC e tem 32 anos. Autor de Falações (2008), Porque sim não é resposta (2015) e O filho da empregada (2016), acaba de lançar Trapaça (Oito e Meio), seu segundo volume de poemas. Escreve mais do que dá conta de publicar, por isso a internet. Exatamente por isso.
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