“somos riacho que ignora a correnteza”, cinco poemas de Marcelo Labes

Marcelo Labes (Foto Ana Paula Dahlke)

Marcelo Labes (Foto Ana Paula Dahlke)

VENTO SUL

de qualquer forma
sul

como promessa de
desengano

melancolia grave
de quando faz frio

trópico de capricórnio
redesenhado na garganta.

(extraído do livro Trapaça)

DEMOLIÇÃO

somos riacho
que ignora
a correnteza

: criamos atalhos
destruindo pontes

refazemos a margem
à margem de onde
andávamos antes

certeiramente
destroços

(extraído do livro Trapaça)

DEMOLIÇÃO II

de qualquer demolição
resistirá o construído

fantasma de maquete
se sonhando concretado

sirene de alerta
5 minutos
botão vermelho
disparado

agora poeira:
vento soprado
passado antigo
poema pensado
e não escrito

agora destroços
agora detritos.

(extraído do livro Trapaça)

 

CATADRIÓPTICO

Percebam que os olhos-de-gato
podem ser chamados catadióptricos
e talvez até sejam assim nomeados
por especialistas mas por favor
se eu disser que atropelei sete
catadióptricos na rodovia o que
estarei escondendo de mim mesmo
das filhas que não tive da polícia ou
se chegar a este ponto da justiça
se eu simplesmente disser que
atropelei sete catadióptricos na
linha divisória das pistas certa-
mente serei inocentado e talvez
me convença de que não fiz nada
de mais muito além do mal
necessário, porque se fossem
olhos de fato a que donos perten-
ceriam pois sete olhos-de-gato
requerem pelo menos três ou
quatro felinos se nem um dos
três for aleijado e tiver um olho
posto no lugar errado com um ter-
ceiro olho pelo qual em vida tenha
meditado o que não parece ser
muito comum.

catadióptrico
substantivo incomum
que nomeia as luzes
atropeladas
luzes que só fazem luz
quando o carro vai pela
estrada.

de dia
nem um nome tão específico
liberta da vulgaridade
e do esquecimento
as luzinhas que fazem brilhar
os olhos das crianças
em amarelo vermelho
branco quando a luz dos faróis
lhe acerta em cheio no meio
da rodovia.

quem sabe
um nome nos liberte
do peso carregado por anos
dar nomes às coisas
como se o nome
libertasse ou prendesse
mais do que a coisa
a que ele se refere.

 

PLANOS PARA AS FÉRIAS

Despertei cedo
como quem se aparta
de um briga.

O dia inteiro pela frente
deve guardar mais insucessos
do que (ainda agora) me acostumo.

Uma semana de férias
ainda para masturbar
autores mortos,

reclamar de abandonos
e desapegos,

tentar vender alguns
livros

e procurar escrever um
poema que não soe como
todos os outros.

Marcelo Labes é natural de Blumenau-SC e tem 32 anos. Autor de Falações (2008), Porque sim não é resposta (2015) e O filho da empregada (2016), acaba de lançar Trapaça (Oito e Meio), seu segundo volume de poemas. Escreve mais do que dá conta de publicar, por isso a internet. Exatamente por isso.

Acesse a page do poeta | https://www.facebook.com/matematicaligraficamentira

 

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