a anedota atravessa a rua
com ar solícito
e roupa verde abacate
ostenta estrelas engomadas no peito
e coturnos engraxados
usa boina, a anedota
tem marcha, mancha de vencedor
opressor com alvará
postura de ganhador da megassena
grave anedota
mais um mortal pra frota de formigas
com síndrome de gigantismo
★★★
meu grão é doutra parte
marciano grão com crinas ao vento
costas embebidas em mel
e um carrossel de peixes tatuado
meu grão é doutra parte
tem olhos de chuva e pagã maresia
turva janela de onde se colhe maçãs
meu grão é doutra parte
cômodos descalços onde se pisa areia
decadente veia
em que o mar tem o som de violinos anunciando tempestade
meu grão é doutra parte
uma catedral em transe
insone catedral com vitrais em chamas
★★★
que eu não me cure
do onírico entre nevralgias
da agonia quase gozo diário
dos perdulários de brevidades, filtros de pesadelos
do vermelho invasivo, vivo
latente vermelho
que eu não me cure
da candura do teu olhar de Tejo
do silente, taciturno desejo
da consistência da carne em chamas
chama que treme, arde
chama que come quieto
★★★★★★
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