ERECÇÃO HOSPITALAR
Si um micróbio nos infecta,
o remédio é “tarja preta”.
Medicar-me ha lei que veta
caso o accesso me accommetta!
Quer tirar o eu da recta
o meu medico! E diz peta
quem prohibe e quem decreta
que é maléfica a punheta!
Pathologica si for
a punheta, vou suppor
que foder faz mal, mais mal!
Si assim “sesse”, que “foria”
de quem goza todo dia
numa cama de hospital?
(Extraído de Sonetos de Boccagem)
★★★
CAFONICE PHONOGRAPHICA
“Ver você com outro alguém
me fará morrer de dor!
Sem você não sou ninguém,
meu amor, sem seu calor…”
Coisa e tal, e nhenhenhem…
É dífficil de suppor
que tal lettra ainda tem,
para alguém, algum valor!
“Vem, amor, commigo, vem!
Vem commigo, vem, meu bem!”,
canta o mau compositor.
Ao compor assim, porem,
dos limites vae alem
quem tomar no eu não for.
(Extraído de Sonetos de Boccagem)
★★★
SONETO 951 NATAL
Nasci glaucomattoso, não poeta.
Poeta me tornei pela revolta
que contra o mundo a língua suja solta
e a vida como báratro interpreta.
Bastardo como bardo, minha meta
jamais foi ao guru servir de escolta
nem crer que do Messias venha a volta,
mas sim invectivar tudo o que veta.
Compenso o que no abuso se me impôs
(pedal humilhação) com meu fetiche,
lambendo, por debaixo, os pés do algoz.
Mas não compenso, nem que o gozo esguinche,
masoca, esta cegueira, e meus pornôs
poemas de Bocage são pastiche.
(Extraído de As mil e uma línguas)
★★★★★★
GLAUCO MATTOSO (paulistano de 1951) destacou-se entre os poetas “marginais” da década de 70 com seu JORNAL DOBRABIL, que parodiava periódicos e períodos literários através da datilografia artesanal. A matriz de sua poética está no modernismo e no concretismo, filtrados pelo crivo antiestético e escatológico de Sade e Bocage. Coligido em almanaque em 1981, o DOBRABIL é reeditado comemorativamente em 2001. Atualmente cego, Glauco mantém a verve fescenina. Vem se dedicando ao soneto e tem traduzido poetas da envergadura de Borges e do mexicano Salvador Novo, inaugurador, como Mário de Andrade, da moderna poesia em seu país. Nesta página Mattoso (sub)verte os sonetos homoeróticos que apimentaram a reputação privada de Novo.
ERECÇÃO HOSPITALAR – Fantástico!!