nathalia, 22, bdsm
tirou minha coleira
e disse que eu estava livre
foi a única vez que machucou
★★★
marcela, 43, casada
matei, sim senhor
porque quis
não, até que era bonzinho
na gaveta da cozinha. uma daquelas grandes, sabe?
isso, ele estava no sofá
de costas
não, não me viu
dei dois passos e a lâmina escorregou para a cabeça dele
não tirei porque mancharia ainda mais o tapete
ora, se sabe, por que pergunta?
desculpe. sim, o corpo ficou lá
depois saí
mansão. era muito rico
não. deixou tudo para as meninas
eu sabia, sim senhor
porque quis, já disse
cansei de subir em pau de sebo. deslizar fácil não tem graça
sim. mas vou ficar muito tempo?
é que deixei a panela no fogo
★★★
lúcia, 51, canhota
a morte do meu pai
é minha lembrança mais bonita
estávamos nós quatro na cozinha
eu
mamãe
vó marta
e meu irmão
quando veio a bomba
– papai morreu
vestida de rosa e bolinhas amarelas até o tornozelo
vovó se levantou
subiu no banquinho em frente à pia
esticou-se para alcançar o pó de café guardado no armário
e disse lentamente
enquanto colocava a água para esquentar
– calma, lucinha. nós já vamos vê-lo
entramos no landau azul
chumbo
e logo imaginei meu pai da mesma cor do carro
algodãozinho no nariz
terno preto
gravata fina
mas quando chegamos ao porão
em que meu velho tinha dormido para sempre
quase caí para trás
meu pai estava enforcado
mas não era um morto qualquer
caído
frouxo
flácido
ele morreu enforcado
em um quarto colorido
cheio de brinquedos
vestido de palhaço
e com milhões de bexigas amarradas no pé esquerdo
tantas
mas tantas
um exército de bolinhas cintilantes
que puxava o corpanzil de 120 quilos pelo tornozelo
em direção ao céu
e só não o levava para a lua
porque a corda amarrada ao pescoço
insistia em fazê-lo flutuar de ponta cabeça
meu pai morreu enforcado
espelhado
ao contrário
invertido
ele sempre me surpreendia
aquele bandido
até na morte tinha que fazer palhaçada
deitei no carpete cinza
olhei os cabelos feito morcegos ao meio-dia
e adormeci com o cheiro forte de café que inundava o ar
★★★
sete minutos
o moço chegou
atrasado e já foi
entrando sem dar
bom dia nem pedir
licença com a maleta
suja de graxa que
encardiu o tapete
vou precisar lavar
depois ela pensou
um pouco impaciente
com a sujeira e o atraso
pra que serve marcar horário
se eles sempre chegam
na hora que bem entendem?
onde vai ser
o serviço senhora?
perguntou o moço já
arregaçando a manga
do macacão de funileiro
e abrindo a maleta
sem perder um segundo
completamente muda
ela abriu o robe de seda
já sem calcinha e
deitou de pernas abertas
no sofá da sala mesmo
imitando a pose que costuma
fazer no ginecologista
mal olhando lábios
clitóris virilhas e
demais peles molengas
com uma luva cirúrgica
ele separou ferramentas
a serem utilizadas
naquele caso específico
chave de fenda lima
cinzel bico de pato
lâmpada de prova
teste de tensão
iam entrando
rapidamente
vagina a dentro
monte de vênus
cheio de eletrodos
e luzinhas conectadas
a fios do vestíbulo
vulvar ao ânus e
claro o sistema
nervoso central
pronto senhora
agora assine essas
três vias e qualquer
problema ou dormência
é só ligar para o nosso sac
que funciona diariamente
das oito às dez
como está escrito
no termo de garantia
a senhora precisa
baixar o nosso aplicativo
e colocar a senha que
acabamos de te enviar
por e-mail e pelo celular
uma vez acionado o
botão e o app devidamente
configurado e sincronizado
ao sistema adquirido
é só ficar em uma posição
confortável relaxar e
gozar
são sete minutos
ininterruptos
de orgamos múltiplos
ou seu dinheiro de volta
e não precisa de parceiro
parceira nem qualquer
estímulo externo
quando o moço saiu
sem se despedir
atrasado para a próxima
cliente daquela tarde
ela abriu o aplicativo
e telefonou para o
irmão do marido
sete
minutos
de uma
conversa
besta
entre
cunhados
★★★
rota
com a boca
sem dentes
lambuzada
de gelatina
avista a vítima
calma em seu voo
olhos amarelos
perfeitas viseiras
não deixam
focar
ouvir
pensar
só seguir
capturar
e tinge de vermelho
um destino
próximo
★★★★★★
Poemas extraídos dos livros Alarido (Patuá), Hiperconexões (antologia de Nelson de Oliveira, Ed. Patuá), além do inédito “rota”
★★★
Quer ficar por dentro de tudo o que acontece no Livre Opinião – Ideias em Debate? É só seguir os perfis oficiais no Twitter, Instagram, Facebook e Youtube. A cultura debatida com livre opinião