Leia cinco poemas de ‘Da poesia’, obra de Hilda Hilst reunida em um único volume

A intensa e prolífica atividade literária de Hilda Hilst se desdobrou em livros de ficção e em peças de teatro, mas foi na poesia que ela deu início à sua carreira. Ao longo de 45 anos, entre 1950 e 1995, a poeta publicou em pequenas tiragens graças ao entusiasmo de editoras independentes, com destaque para Massao Ohno, seu amigo e principal divulgador.

No início dos anos 2000, os títulos de Hilda começaram a ser editados pela Globo. A partir desse momento, a sua escrita – até então considerada marginal e hermética – passou a ter ampla divulgação e a receber o interesse de uma legião de leitores e estudiosos. Agora, a Companhia das Letras reúne, pela primeira vez, toda a lavra poética da autora de Bufólicas em um só livro, que inclui, além de mais de 20 títulos, uma seção de inéditos e fortuna crítica. O material contém posfácio de Victor Heringer, carta de Caio Fernando Abreu para Hilda, dois trechos de Lygia Fagundes Telles sobre a amiga e uma entrevista cedida a Vilma Arêas e a Berta Waldman, publicada no Jornal do Brasil em 1989.

A poesia de Hilda – que ganha forma em cantigas, baladas, sonetos e poemas de verso livre – explora a morte, a solidão, o amor erótico, a loucura e o misticismo. Ao fundir o sagrado e o profano, a poeta se firmou como uma das vozes mais transgressoras da literatura brasileira do século XX.

Hilda Hilst

HILDA HILST – Nascida em Jaú (SP) em 1930, formou-se em Direito pela USP e, aos 35 anos de idade, mudou-se para a chácara Casa do Sol, próxima a Campinas. Lá, na companhia de dezenas de cachorros, ela se dedicou integralmente à criação literária, entre livros de poesia, ficção e peças de teatro. Nos anos 1990, irritada com o parco alcance de sua escrita, anunciou o “adeus à literatura séria” e inaugurou a fase pornográfica, com os títulos que integrariam a “tetralogia obscena”. Hilda morreu em 2004, em Campinas.

Premiada em diversas áreas, Hilst construiu um estilo literário que explora a sexualidade e a relação humana. Com Presságio (1950) e Balada de Alzira (1951), Hilda inaugura sua carreira na literatura. Não ficou apenas na lírica e escreveu ficção, como os textos Fluxo – Floema (1970), o aclamado O Caderno Rosa de Lory Lamby (1990) e Cascos e Carícias, com crônicas reunidas no período de 1992 a 1995. No teatro, Hilda escreveu a O Rato no Muro (1967), O Visitante (1968), além da premiada O Verdugo, de 1969.

Capa de Elisa von Randow

 

 

Leia cinco poemas de Hilda Hilst 

 

Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé
De Ariana para Dionísio

I

É bom que seja assim, Dionísio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora

E sozinha supor
Qe se estivesses dentro

Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora

Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor de tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.

[…]

 

Da morte, odes mínimas

XXXII

Por que me fiz poeta?
Porque tu, morte, minha irmã
No instante, no centro
de tudo o que vejo.

No mais que perfeito
No veio, no gozo
Colada entre mim e o outro
No fosso
No nó de um ínfimo laço
No hausto
No fogo, na minha hora fria.

Me fiz poeta
Porque à minha volta
Na humana ideia de um deus que não conheço.
a ti, morte, minha irmã,
Te vejo.

[…]

 

Iniciação do Poeta

1

O ouro do mais fundo está em ti
Em mim, as coisas breves tomam corpo
E uma saga de bronze no meu ombro
A cada dia se transforma em chaga.
Um sol que contrai sobre o meu rosto.
Aves de que não sei a sombra, vi-as
Na manhã qando o era chama
Mas num sopro perdi-as
E é grande agoniao que era gozo.
Guia-me em complacência. Que o instante
Não se afaste de mim, antes padeça
Desse meu existir e eu não me perca.

 

 

Testamento Lírico

Se quiserem saber se pedi muito
Ou se nada pedi, nesta minha vida,
Saiba, senhor, que sempre me perdi

Na criança que fui, tão cofundida.

À noite ouvia vozes e regressos.
A noite me falava sempre sempre
Do possível de fábulas. De fadas.

O mundo na varanda. Céu aberto.
Castanheiras doiradas. Meu espanto
Diante das muitas falas, das risadas.

Eu era uma crança delirante.

Nem soube defender-me das palavras.
Nem soube dizer das aflições, da mágoa
De não saber dizer coisas amantes.

O que vivia em mim, sempre calava.

Eu não sou mais que a infância. Nem pretendo
Ser outra, comedida. Ah, se soubésseis!
Ter escolhido um mundo, este em que vivo

Ter rituais e gestos e lembranças.
Viver secretamente. Em sigilo
Permanecer aquela, esquiva e dócil

Querer deixar um testamento lírico
E escutar (apesar) entre as paredes
Um ruído inquietante de sorrisos
Uma boca de plumas, murmurante.

Nem sempre há de falar-vos um poeta.
E ainda que minha voz não seja ouvida
Um dentre vós resguardará (por certo)

A criança que foi. Tão confundida

 

 

Cantares do sem nome e de partidas

V

O Nunca Mais não é verdade
Há ilusões e assomos, há repentes
De perpetuar a Duração.
O Nunca Mais é só meia-verdade:
Como se visses a ave entre a folhagem
E ao mesmo tempo não.
(E antevisses
Contentamento e morte na paisagem.)
O Nunca Mais é de planície e fendas
É de abismos e arroios.
É de perpetuidade no que pensas efêmero
E breve e pequenino
No que sentes eterno.

Nem é o corvo ou poema o Nunca Mais.

 

 

Título original: DA POESIA
Capa: Elisa von Randow
Páginas: 584
Formato: 13.70 x 21.00 cm
Peso: 0.685 kg
Acabamento: Brochura
Lançamento: 13/04/2017
ISBN: 9788535928853
Selo: Companhia das Letras

 

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