Aline Bei: Compreensão

Filosofia no quarto rene magritte

René Magritte, 1966

 

eu poderia passear com o meu cachorro por toda a vida, a cidade nunca me cansa, olhar as pessoas é uma distração parecida

com ouvir música,

vejo dois homens

andando na calçada

com uma falta de coragem pra dizer um pro outro que se gostam, a atração que eles sentem fica clara pra mim.

perceber as faíscas

é tão prazeroso quanto ouvir miles davis,

eu que não entendo

tecnicamente de música, só aprecio

é como no amor, também não entendo e aprecio.

agora sair sem o meu cachorro

sem ter que passar no mercado ou na farmácia

apenas caminhar

sem rumo

então não, assim eu não gosto, assim as pessoas podem descobrir meu olho e virar eu a observada, aí eu prefiro sentir a cidade pela janela de casa.

uma vez, me lembro, antigamente eu fazia isso de marcar encontro com desconhecidos pra dar uma pausa na escrita

e respirar um pouco, ver o mundo, então teve uma vez que eu topei

uma cerveja

com um ator que ficava me mandando mensagem na internet dizendo que eu parecia ser do tipo que conversa sobre tudo

música, artes plásticas, política,

mas no fundo, sabíamos, ele estava querendo era me comer.

marcamos um boteco ali na augusta. queria ver como se comportava o sujeito quando estava com vontade de transar com uma pessoa mas ficava disfarçando, qual é o rosto que tem alguém que se engana assim. no fundo

eu queria ser uma terceira pessoa

invisível

observando de perto o primeiro encontro do casal

a mão na coxa, os sorrisos, a ida ao banheiro

e a clássica olhada pra bunda. mas como isso não era possível, então o jeito foi topar o encontro e eu mesma ser a garota de dentro.

o cara

chegou bem atrasado. pediu desculpas

e me cumprimentou com um beijo no rosto.

ele era altíssimo

e realmente não fazia meu tipo

nada nele me agradou, nem a voz.

pedimos as nossas cervejas

enquanto ele contava de um espetáculo que ele estava ensaiando 3 vezes por semana, uma releitura de Shakespeare e eu disse

jura? Shakespeare

qual peça.

romeu e julieta, ele disse, mas é diferente de todas as montagens que você já viu, isso eu posso te garantir. o diretor é um maluco

nunca vi alguém ir tão longe no pensamento como esse cara

ele cria umas imagens que nem eu acredito.

que bacana, me avisa quando entrar em cartaz.

aviso, claro, ele disse

e começou a me contar de uma fã que ele conheceu um dia

que do nada perguntou você veio de carro?

ele respondeu que sim

e ela disse então vamos lá

buscar a sua blusa, foi quando ele entendeu o que estava acontecendo, o pau endureceu na hora,

eles transaram loucamente

no banco de trás.

– depois nunca mais nos vimos. tentei ligar, ninguém atendia.

– de repente ela era casada. – comentei.

-é,

eu pensei nisso. – ele disse jogando o corpo pra frente

tentando me seduzir com aquele tamanho

de tórax

eu já estava ficando com sono.

– preciso ir.

– mas já?

pagamos.

na rua ele me deu um abraço

longo

e eu senti a pica do cara crescendo

aquilo

me deu tesão finalmente

eu disse olha,

moro aqui perto você não quer subir pra tomar um chá?

quero, ele respondeu surpreso

e assim que chegamos eu pulei mil línguas no colo dele.

tiramos a roupa.

caímos no sofá e eu

sentei no cara, devagar claro, porque a pica era realmente grande e

que delícia

eu estava precisando daquilo

ah, que beleza

a natureza dos corpos é mesmo uma coisa maravilhosa

e meu cachorro começou a cheirar minha bunda

sai mike

sai.

gozei profundamente

e não é que esse cara fez um bom trabalho? eu disse pra ele

você

fez um bom trabalho.

ele sorriu e me perguntou

se podia tomar uma ducha.

– lógico, fica a vontade.

tem toalha na gaveta.

acendi um cigarro. coloquei o disco da nina Simone pra tocar

uma chuva fina na janela, o mike dormia no tapete, agora você dorme né seu filho da puta.

quando o cigarro acabou eu

estiquei o corpo no sofá

ainda úmida

de gozo e suor, quando tudo secasse

eu ficaria com frio,

adormeci.

quando acordei (olhei no relógio)

-rafael? – chamei pela casa

e o cara

não estava mais lá, não deixou nem bilhete,

será que ele não gostou do sexo? o que fiz de errado, meu deus, caramba, eu cavalguei nesse homem com todo o meu coração então sim, algo se perde na observação quando a gente se envolve e claro, lembrando dessa história eu agora entendo esses dois na rua

eles estão com medo daquele momento em que vem alguém e

estraga tudo.

alinebei

 

Leia os textos anteriores da escritora Aline Bei 

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