Bruno Alves: H o boa praça

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Edvard Munch, 1897

*POR BRUNO ALVES

Trabalhar atrás dum balcão é uma experiência reveladora. Eu fiz isso de um jeito sádico, constrangedor e empático a um só tempo. Sou cliente do Samambaia e já me excedi algumas vezes. Já gorfei na porta do bar, xavequei alguém de modo precipitado e constrangedor, falei sem parar e falei alto. Fiquei enciumado. Tudo que se deve fazer dentro da noite amena. Assistir aos outros fazerem isso é uma delícia quando estamos sóbrios atrás do balcão.

Quando H entrou no bar alguma coisa aconteceu. Não o conheço muito bem, embora ache que no ponto em que chegamos isso acontecerá hora ou outra. Se meus pressupostos a seu respeito são verdadeiros ou falsos só o tempo dirá.

H o boa praça, o pracinha. Moreno, porte atlético, cabelos cuidadosamente despenteados, barba por fazer, roupas alinhadas. Fala macia. Quase todos no bar parecem o conhecer.

H é o que avós e até mães chamam de “tipo”, ou “tipão”. Assim: “nossa aquele seu amigo é um tipão, ein?!”. Mas pro meu gosto ele é clássico demais. Entendam: eu juro que não estou com ciúme do tipão, ele só não me impressiona da forma como impressiona aos outros. Em especial as mulheres. Isso me intriga. Entendo o alvoroço das avós e mães com esses tipos, mas a cobiça hegemônica das meninas da minha idade é algo que não entra na minha cabeça; ainda mais partindo das clientes do Samambaia.

Frequentadoras abaixo dos trinta de um bar legal não podem hegemonicamente cobiçar alguém clássico demais. É simples. Ou talvez ele seja simplesmente irresistível pra maioria. Isso pode acontecer e eu devo aceitar. Talvez eu só esteja criando um estereótipo mas na verdade ele tem algo que ainda não saquei. É isso. Ele tem algo que me escapa.

Entrou já passava das 11 com seu ar másculo e confiante, Sinatra do Tatuapé, separou um disco e entrou do lado de cá do balcão pra alcançar a vitrola, desviando-se de mim no trajeto.

O olhar de T sentada junto à porta do bar acompanhou sua trajetória.

Ela é bonita. O tipo de menina que eu chaparia se visse num contexto qualquer. Pequena, movimentos rápidos, olhar atento. Mas quando estou trabalhando raramente consigo me encantar por alguém. É uma pena, porque às vezes eu até gostaria. Fico erroneamente preocupado demais com as tarefas que devo executar, e também tem algum resquício de pudor que me impede de xavecar clientes.

 H finalmente alcançou T. Ela era toda olhares e movimentos. Mas H não é fácil, H seu gato escorregadio. Acho que já te saquei. Tem dias que me sinto belo, tudo rola solto e macio, mas se não tomo cuidado acabo me sufocando com minha própria soltura e maciez. Nesse dia H tava assim, porque voltou pra casa cedo demais. Desistência.

Agora T estava na minha frente. Saiu da porta do bar e sentou ao balcão. Perguntei se desejava algo. Negativo. Ficou lá pensando. Bem séria. De repente me surpreendeu: “quer cerveja?”. “Vou pegar meu copo”. “Toma no meu”.

E por quase uma hora falamos de realismo fantástico, de como rasgar a barra do jeans acima do tornozelo fica maneiro, de franjas, cinema argentino,  o centro de São Paulo é foda&noite qualquer amena é claro nos embriagaríamos num canto escuro com arquitetura modernista, arranha-céu apontando pra louca lua jorros e jorros de loucura.

E de repente voltou a ficar séria. Eu não entendi bem mas também fiquei. Desistência. Saiu do bar entrou no carro, voltou pra casa pensando em outro. Prendi o ar soltei no maço, fui pra rua pensando em sexo.

*Bruno Alves – Nas ruas de São Paulo busco minha fonte primária de conhecimento. Quando encontro sinto a iluminação: cultura é o que transforma o mundo. Integrante da Antologia Poética Prêmio Poetize 2017,Vivara Editora. Pós-graduado em Jornalismo Cultural pela FAAP. Medium: https://medium.com/@alvsbruno

 

 

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