“a última coisa / que eu quero fazer / em brasília é morrer”. São quatro décadas com um olhar poético e crítico sobre a capital do país. Nicolas Behr é tão atual que nem os jornais conseguem acompanhá-lo. E nem precisa. O mapa imaginário de uma cidade. A cada página de BRASILÍRICA – Poemas escolhidos (1977-2017) é um conhecimento do arquitetônico município que suporta a história e a vida de Nicolas. “tudo era sonho / tudo era ilusão”.
A antologia acompanha os versos sobre os poderes políticos, a solidão e também a multidão, a utopia dos primeiros nomes que se instalaram no planalto central e construíram “blocos / eixos / quadras” das asas sul e norte do marco zero do país. Há também a crítica ao período da ditadura militar, em que Nicolas presenciou na juventude – o poeta foi preso pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social).

Nicolas Behr em 1978 (Foto de Mário Maciel)
É catártica a relação do poeta com a cidade nos divertidos e reflexivos versos escolhidos que até hoje são evidentes nas caminhadas pelas páginas do livro, em que “o poema / é área pública / invadida / pela imaginação”. São quarenta anos de sua primeira obra, a importante Iogurte com Farinha, que foi mimeografada e vendida pelo próprio Nicolas.
O lançamento de BRASILÍRICA é significativo para a atualidade do Brasil, em um acontecimento onde o poeta aparece para nos avisar que precisamos acordar em relação à situação político-social. Na abertura da antologia, o texto de apresentação do escritor Marcelino Freire saúda a obra de Nicolas Behr: “[…] O bom é que sua literatura comunica. Crítica e comove. Provoca, sacode as estruturas. Enverga, entorta”. Ou como o próprio poeta escreveu: “Nem tudo / o que é torto / é errado”.
BRASILÍRICA é uma incrível obra que evidencia a enorme dimensão da poética de Nicolas Behr. Para homenagear um dos maiores nomes da literatura, o LOID selecionou cinco poemas da antologia. Confira abaixo

Capa do livrinho mimeografado de “Iogurte com Farinha” (1977).
NICOLAS BEHR
Nicolas von Behr nasceu em Cuiabá, em 1958. Cursou o primário com os padres jesuítas em Diamantino, MT, e mudou-se para Cuiabá aos 10 anos. Queria ser geólogo. Mora em Brasília desde 1974. Três anos depois lançou seu livrinho mimeografado Iogurte com Farinha, o primeiro de muitos. Em 1978 foi preso e processado pelo DOPS por porte de material pornográfico (seus livrinhos!), sendo julgado e absolvido no ano seguinte.
A partir de 1980 passa a trabalhar como redator em agencias de publicidade e se engaja no movimento ecológico. Em 1986 começa a trabalhar na Fundação Pró-Natureza (FUNATURA), onde fica até 1990, dedicando-se profissionalmente desde então ao seu antigo hobby: produção de espécies nativas do cerrado, através de Pau-Brasília viveiro eco.loja, ainda hoje em atividade.

Nicolas Behr
Casado desde 1986, com Alcina Ramalho, tem três filhos: Erik, Klaus e Max. Volta a publicar a partir de 1993, com Porque Construí Braxília. Em 2008 seu livro Laranja Seleta (Língua Geral) foi finalista do Prêmio Portugal Telecom de Literatura.
Nicolas tem participado ativamente de eventos literários, com palestras e oficinas de poesia. Sua obra tem sido objeto de várias dissertações de mestrado pelo país. Em 2013 participou como convidado da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), da Feira Internacional de Frankfurt e do Festival Latino Americano de Poesia (Latinale), em Berlim.
Em 2015, o Instituto de Letras da Universidade de Brasília instituiu o Prêmio Nicolas Behr de Literatura. Publicou ainda o livro Dicionário Sentimental de Diamantino, em 2016. Pela editora Vento Norte Cartonero publicou Água em Pó e Chega de Poesia, este último com a Candeeiro Cartonera. Nicolas adora Brasília.
Cinco poemas selecionados
brasília
é isso mesmo
que você está vendo
mesmo que você
não esteja
vendo nada
★★★★
brasília nasceu de um gesto primário
dois eixos se cruzando,
ou seja, o próprio sinal da cruz
como quem pede benção
ou perdão
todos os erros
de brasília
são meus
tolerar
outras brasílias
a explodir apenas
a cidade
onde a palavra mágina
é tabu:
abracadabraxília
quero a dor
dessa cidade
pra mim
dor
é palavra
não dita
★★★★
que cidade é essa
que vejo – espelho –
do avião?
que cidade é essa
que sangro – vermelho –
da cruz?
que cidade é essa
que amo
mais do que
a mim mesmo?
candangos
identificai-vos
pela poeira na íris,
lama na córnea
cimento nos olhos
identificai-vos
pelos cílios saudosos
pela vista cansada
★★★★
por onde vaga
a alma de brasília?
procurando uma vaga
para estacionar a alma
★★★★
brasília
é uma cidade autoritária?
é sim, que ver?
pra subir pra falar
com o ministro
só de terno e gravata
pra descer
só nu
ideias enfileiradas
se repetindo ao longo
de uma linha imaginária
mas o que vejo
são esqueletos
de superquadras desossadas
onde blocos fossilizados
esperam datação
cidade branca
mediterrânea lagoa
admiração solar
linhas cenozóicas
riscos pelozóicos
paranoás paranóicos
era dos burocrossauros
★★★★
★★★★★★
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