Marcelo Flecha: Besta é tu

a - Copia

 

Amanhã viajo para Teresina, facilitar uma oficina de escrita dramatúrgica pelo projeto SESC Dramaturgias, última cidade que visitarei este ano provocando dramaturgos, após ter passado por Caxias/MA, Vitória/ES e Maceió/AL, pelo mesmo projeto. Antes, já estive em Teresina para participar do NORTEA/Encontro de Pesquisadores do Nordeste, dentro do FestLuso; antes, pelo SESC Amazônia das Artes, com Velhos caem do céu como canivetes; antes, com Pai & Filho, pelo Myriam Muniz de Teatro; antes, para ver a estreia de “Quando as máquinas param”, do Harém; antes, com Deus Danado, participando de outra edição do FestLuso; antes, com “Ramandá e Rudá”, no Theatro 4 de Setembro; e antes, e antes, e antes de antes. Uma intrínseca relação com a cidade, construída através do teatro.

O teatro tem isso de admirável. Nos faz erguer pontes espontâneas onde nenhum outro instrumento de engenharia consegue erigir. Somos levados pela força do seu desacato, e vamos rompendo barreiras, ramificando sonhos, reconhecendo identidades, revendo amigos; porém, a principal virtude do seu vigor contraventor é nos fazer confrontar a estática, desafiar a inércia, combater a letargia, sempre na expectativa de um novo ou surpreendente porto – porque o novo pode vir da surpresa de nos levar novamente a um lugar querido.

Agora, pelo poder da palavra escrita, meu encontro com pessoas que desejam dialogar sobre formas, metodologias e ferramentas dramatológicas; sempre na torcida de construir novas pontes, fazer novos enlaces, tecer novas teias; pois, a mais potente prova da natureza profícua do teatro é que provavelmente não encontre nenhum amigo ou parceiro antigo participando da atividade. Claro que abraçarei todos nos momentos de folga, mas o teatro não só promove reencontros, como auspicia novos encontros, com pessoas que não se conhecem, mas se reúnem em torno de um objetivo comum, neste caso, escrever para teatro.

Se você tiver curiosidade, já versei muito sobre minha experiência nesta empreitada dramatúrgica, basta clicar aqui para aprofundar a leitura; mas um ponto que pouco abordei nas postagens anteriores diz respeito a esse frescor presente em cada encontro; essa curiosa química que faz com que diferentes se juntem para tratar de algo que os atrai. Logo, o teatro tem um poder de socialização incomum, promovido pelo tête-à-tête, pelo corpo-a-corpo, pelo enredamento de seres díspares em torno de desejos comuns.

Não fosse o teatro eu seria um anacoreta. O meu leque de relações sociais se resumiria a um entorno tão restrito que não sei se poderia ser enquadrado como um estado de sociabilidade. A reserva promovida pelo meu fastio em lidar com pessoas teria me transformado em um homem das cavernas – homem que minha querida amiga Tony Silva costuma contar que eu era quando nos conhecemos. O teatro socializando a besta, ou o besta. De besta, mesmo; metido, antipático, presunçoso, pernóstico, arrogante.

Ah, o teatro! Somente nesta ação, a oficina Do narrativo ao dramático: a transposição de gêneros como instrumento de confecção de dramaturgias, promovida pelo SESC, conheci mais de cinquenta pessoas; e dessas tantas com as quais mantive um intenso diálogo e frutuoso aprendizado, algumas reverberam até hoje; não mais no campo de um grupo de pessoas que participaram de uma atividade formativa, mas de companheiros de dúvidas, parceiros de conversas, colegas de ruína, consortes para a vida.

É o teatro aproximando as pessoas e nos lembrando que precisamos do contato presencial entre as gentes para que o próprio teatro sobreviva. Teresina, aqui vou eu!

 

MARCELO FLECHA

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