“dirigir pra longe com janela aberta é uma espécie de voo
apesar das rodas, apesar do
chão”.
(p.87)
As Editoras Nós e Edith, firmes na aposta de abrir novas veredas na literatura contemporânea, lançam O peso do pássaro morto, romance de estreia de Aline Bei, nesta sexta-feira (15), às 19h, na Livraria da Vila. A coedição, inédita, traz a público um dos romances vencedores do Prêmio TOCA, realizado por Marcelino Freire em suas oficinas de criação literária. Segundo o escritor, “Aline faz uma estreia em grande estilo. E põe estilo nisso. Com suas frases cortadas, líricas, ritmadas. Com um domínio da linguagem que poucos trazem. E onde poucos se arriscam a chegar. Uma escritora de peso. Bem-vinda demais à cena contemporânea. Festejo desde já o seu primeiro romance. Este livro vai dar o que falar.”
Em O peso do pássaro morto, acompanhamos uma mulher que, dos 8 aos 52 tenta, com todas as forças, não coincidir apenas com a dor de que é feita. Um livro denso e leve, violento e poético, “simultaneamente claridade de vidro e ponta aguda de faca”, diz a orelha de Micheliny Verunschk. A autora também escreveu “Ao terminar a leitura de O peso do pássaro morto me ocorreu que este possa ser um sujeito híbrido entre livro e sudário”.
Afiado, o livro é feito de palavras e do vazio que elas desenham na página. No silêncio, no corte, o livro comprova que a dor e a poesia estão nos detalhes. Em dias tão pouco propensos ao feminino, o romance de Aline Bei dá corpo a uma coleção de dores sobre a força e a solidão de ser mulher, hoje.
Aline Bei nasceu em São Paulo, em 1987. É formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e em Artes Cênicas pelo Teatro Escola Célia-Helena. É editora e colunista do site cultural OitavaArte. A autora escreve no blog ALINE-SE e também publica semanalmente no LOID, clique aqui e leia os textos.
Confira abaixo uma entrevista com a Aline, parceria do LOID com o site Margens

Aline Bei
PERGUNTA – Quando surgiu a ideia do romance? Como foi desenvolver a narrativa?
ALINE BEI – surgiu da morte
de um canário que minha mãe tinha, ele morava numa gaiola.
um dia, percebemos, ele estava com a unha muito comprida. aí a minha mãe falou segura ele
pra eu cortar, eu era menina. coloquei a mão dentro da gaiola. ele tentou voar, mas eu consegui pegá-lo
segurei com cuidado
minha mãe foi buscar a tesourinha.
acontece que o pássaro ficou tão
assustado
que morreu, preferiu assim do que seguir sentindo medo
do que viria.
foi muito impressionante. ele estava vivo, piando
pra morrer segundos depois na minha mão. o livro nasceu aí.
já a narrativa
nasceu no fim de dois mil e quinze. eu sentei e escrevi um texto
que a priori pensei que seria curto. mas a história foi crescendo, ganhando páginas.
será que é um livro?, pensei.
A oficina de criação literária foi importante para a construção do seu texto?
muito. como sou atriz de formação, gosto do texto falado, do ouvido do público. então na oficina eu fui testando com leituras
o que eu criava em casa e isso foi ótimo, ter um leitor inicial (no caso vários e todos escritores, além do mais o Marcelino Freire, esse maestro)
Há um distanciamento em relação à idade da personagem. Como foi para você a narrativa da protagonista dos 8 aos 52 anos?
tentei deixar o mais natural possível, sem mudança brusca na linguagem, pois acredito que em essência somos a mesma pessoa por toda a vida. a linguagem do livro tenta estar conectada com a essência da personagem
sendo a infância o lugar
onde mais nos aproximamos do nosso eu em estado bruto.
Você escreve e publica semanalmente seus textos na internet. Na sua opinião, o que a plataforma virtual ajuda para a literatura atualmente?
pra mim significa 3 coisas muito importantes. a primeira é formar leitores, tanto da própria obra quanto da literatura como um todo, é bom que um texto seja um trampolim para outros
maiores, para novos encontros
de leitores e obras.
segundo manter uma relação próxima com o leitor, isso eu acho essencial, quebrar essas barreiras de quem faz e de quem lê, porque no fundo estamos todos juntos fazendo um texto. ler é reescrever com as próprias memórias e cores, por isso que é tão bom, por isso que amplia
o interior das pessoas
elas encaixam outras vidas nas delas
e é disso que o mundo precisa, de empatia.
a terceira é escancarar o processo. desfazer o mito da inspiração, que a arte é algo que vem do além. não vem. acredito no talento, claro, mas acredito muito mais no Trabalho. e quando os leitores acompanham de perto a prática de um escritor que publica na internet, acompanham também a sua maturidade, suas obsessões se transformando em outras, as falhas, os ganhos e isso
é maravilhoso, é como um ensaio aberto para um futuro livro, esse lugar que eterniza a linguagem e por isso
tão Belo.
Leia um trecho do romance
aos 17
era o meu primeiro show de rock
a Paula me chamou pra ver aquela banda holandesa
de nome impronunciável muito menos
escrevível, mas fui.
era por Ela, afinal de contas, que quebrava todos os meus galhos até aquela vez que menti pra minha mãe de ter
dormido na casa de paula, mas eu
tinha passado a noite
debaixo de uma árvore
com o Pedro
beijando aquela boca macia
minha língua cansada sem querer parar
de lamber o menino
mais lindo que meus olhos já
vira, a vontade era de
engolir o
Pedro e guardá-lo detro pra toda vez que eu ficasse triste lembrar que ele
existe em mim.
Inclusive eu queria que ele tivesse ido no show pra gente continuar se beijando, Insisti,
mas a mãe do Pedro
estava sem dinheiro e ingresso
custa caro.
não éramos namorados
porque ninguém pediu que sim
mas nos amassávamos regularmente
pelos cantos do colégio
nas escadas de incêndio, ao lado dos postes, apoiados em carros, teve um dia que foi na grama e foi 1
quase,
– você de vestido é mais fácil, ele sussurrou me agarrando nas coxas, eu disse:
– calma
★★★★★★
Lançamento do romance O peso do pássaro morto
de Aline Bei
Livraria da Vila
Rua Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena
Sexta-feira, 15 de setembro
às 19h00
168 páginas
Editoras Edith e Nós
Entrevista: Jéssica Balbino e Jorge Ialanji Filholini
★★★
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