
Arte de Egon Schiele
a barriga saliente daquele cara me fez pensar que talvez um homem também pudesse ficar grávido. o bebê cresceria no estômago, por que não? quando chegasse a hora escorreria pelo cu, alguém
chamou meu nome, olhei ao redor era
o márcio
-oi. – ele disse
nos cumprimentamos, meu nariz começou a
coçar.
fui percebendo que a culpa era do
perfume dele, pra que tanto, márcio, sabe que eu também já fui assim? sentia vergonha
do meu cheiro natural
pensava que ele não era bom o suficiente pra que as pessoas gostassem de mim.
–vou buscar uma caipirinha, você quer? – ele me perguntou animado.
-não, valeu.
-até já. – ele disse saindo
voltei minha atenção pra barriga do homem
que agora estava de pé, a impressão de gravidez tinha sumido com ele assim, de pé. um dia
minha mãe parou na frente do meu quarto
e disse que tinha ganhado
muita barriga, Olha isso, ela reclamou.
eu ri abertamente
daquela
sinceridade
– tá rindo sozinha? – brincou uma amiga, se aproximando.
–tava com o márcio, ele foi pegar um drink.
–falando em pegar – ela disse
e começou a me contar de um caso,
uma mulher que ela conhecia tinha roubado o cartão da outra, fez compras, teve coragem. quando a investigação começou a ficar séria a mulher acabou confessando
– as duas saíram no tapa – minha amiga disse
situações como uma festa
nunca me fizeram bem. tenho que ficar conversando
sobre essas
coisas que não me interessam, se eu ficar calada
vão acabar descobrindo
que na verdade eu sou uma pessoa triste.
o que eu não gosto é do alarde, como se todo mundo também não fosse
triste em algum momento
pedi licença
pra minha amiga que
se ofendeu. eu estava te contando uma história seu rosto curvado parecia dizer. nessas horas que eu gostaria de ser fumante, um já volto apenas nunca soa bem.
saí do salão,
o ar
fresco da noite.
na frete do buffet um cara com
cigarro, um casal
namorando.
-a senhora quer seu carro? – o manobrista perguntou.
-ainda não.
acontece que eu não tinha
nenhum carro
e fazia isso com frequência,
mentir
não só sobre
fatos, também sobre pontos
de vista, pra
concordar com pessoas que estavam ali
falando do comportamento de fulano, eu balançava a cabeça sendo que eu já tinha feito algo parecido sem me arrepender. gostaria muito de
poder ser eu mesma em qualquer situação
sem me deixar levar pelo que o outro espera de mim, principalmente sem rir
de algo que considero
desespero. pelo menos na missa eu nunca mais fui. Chega, eu disse pra minha mãe
ela ficou quieta, depois
entrou pro banho
quero me fortalecer assim em relação a tudo, quero ser por fora exatamente o que sou em essência mas
a distância é
enorme
o que posso fazer pra acelerar o processo?
envelhecer.
–você tem um cigarro? – pergunto finalmente.
-era meu último.
esse BUFFET VILA SÔNIA piscando
me lembra aquelas placas
de hotéis
será que a casa do césar fica muito longe daqui?
fui seguindo pela rua
como se isso não
importasse.
★★★★
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★★★
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