
‘New York Movie’ (1939), de Edward Hopper
escolhemos poltronas ao fundo
pensando que elas seriam um lugar só nosso
como um copo dividido em silêncio, a festa atrás, duas bocas bebendo
o que tivesse ali.
o nome do nosso filme
estava no
ingresso já no bolso, o escolhemos por notar no hall de entrada
ninguém querendo
assistir tamanha
bobagem, diziam.
é esse, pensamos
e a alegria curvou nossos rostos, duas crianças numa montanha
russa
na verdade uma pilha
de almofadas no tapete.
sentamos nas nossas
cadeiras secretas
estávamos acesos
tomada na fonte
sua mão deslizou por minhas
coxas
não sem antes
apertá-las.
eu olhei
para as minhas coxas
pensando se elas eram assim tão boas quanto aquelas que eu via em revistas na mesma situação sendo desejadas, será? que eu merecia isso,
eu essa mulher que sou e mais nada
na casca que tenho
coberta por pequenas feiuras que juntas me transformam nesse mostro discreto
e meu corpo respondendo
ao seu toque, silenciando minha mente sempre pronta pro estrago,
meu ventre entregue às suas mãos que poderiam
tirar um bebê dali.
a criança
será a soma da minha família e da sua.
vamos amar
a nossa criança
especialmente pela parte dela que é nossa
e você colocou o dedo
na minha boca, começaram os
trailers.
foi quando entrou uma família
com pipoca e dois filhos.
a sala estava vazia, mas
eles sentaram justamente na poltrona da frente.
nos olhamos
como se aquilo fosse a grande metáfora da vida
e é.
-vamos ter que ser mais silenciosos. – eu te disse no ouvido
e os arrepios que nascem
quando a boca solta
palavras no
ouvido.
então você voltou devagar
a mão pro meu ponto
exatamente onde se deve
colocar o dedo pra que eu desfrute
do tremor que há no meu corpo
um raio implodido, o lugar onde nasce o raio.
atrasada encaixei
minha mão no seu
debaixo
agora nós dois
no mesmo ritmo
tanto que senti ter um pau você um útero
nossas respirações tentando
um volume baixo, não queríamos parecer animais e a família comendo pipoca
meu queixo pra cima procurando
resposta pra essa sensação de poder que é quando os corpos
se encontram, nossas coxas abertas, no líquido o espectro
do nosso futuro filho.
★★★★★★
Leia os textos anteriores da escritora Aline Bei
★★★
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