
Arte de Juan Gris
-senta aqui do meu lado.
-pra quê?
-você não confia em mim?
-não é questão disso. – ela disse sentando.
-vem mais perto.
-mais?
os ombros se
encostaram. ele alcançou a cintura
dela, girou o
tronco,
cabeças de frente
a moça desviou
o rosto
depois voltou
o rosto
(uma pomba do lado de fora pegou impulso
no parapeito)
e o beijo
( voou )
cobras dentro da boca
primeiro lentas
depois martelo
no prego
tanto que já parecia
o sexo, propriamente, dentes tentando
não atrapalhar.
em volta a lanchonete cinco da tarde
pessoas trabalhando
no balcão.
empresários de terno
na mesa do lado
diziam que
a invenção de um carro sem motorista
mudaria tudo,
você pode buscar seu filho
sem sair de casa
e o som do beijo
um pouco fora
de lugar ali no meio
da lanchonete
onde se toma
um café
divide-se uma torta
mas a boca?
olhar praquele casal dava vontade
de levantar a
blusa
deixar o peito
livre
esperar que alguém te
chupe
o empresário da esquerda afrouxou a gravata.
o carro, ele prosseguiu,
vai andar sozinho
as pessoas trabalhando
no balcão.
seria bom avisar
que ali não era o melhor lugar do mundo para um beijo que cresce desse tamanho, vira gente
se engolindo
fala pra eles, disse a lola
fala você, retrucou a rita
fecha pra mim? o empresário pediu.
foi quando o casal levantou
da mesa sem
consumo, nem água
(a rita olhando, a lola, o empresário)
abriram a porta
push de vidro
a felicidade atrás feito sombra.
eles entraram num carro placa F T O
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e todo o brilho
da lanchonete
migrou de repente praquele corsa azul.
★★★★★★★★★
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★★★
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