
1º GRANDE ATO PELA CRIAÇÃO DO PARQUE DO BIXIGA (Foto João Gabriel Hidalgo)
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Teatro Oficina. Muita gente atuando num ambiente repleto de nuances. Gente, luz de fim de tarde amaciando as estreitas ruas do Bixiga, vento quente. O longilíneo tablado. Meus sentidos se aguçam e tento não deleita-los livremente nos graus dessa atmosfera, tão pouco exerço qualquer espécie de filtro: entro num tipo de meditação.
Aqui os maiores tabus são postos à mesa. Hoje é a vez da nudez. Tudo vai bem até começar o ritual, o ápice. Ingrata surpresa me ver como um dos guardiões do banquete. Quero entrar nesse rito no qual dançam corpos nus, suada orgia; festa. Era pra ser orgânico. Esquecer dos afazeres mundanos e celebrar a vida. Mas os bicos dos peitos olham pra mim; também bucetas, paus, cu. Vestido e excitado assisto a tudo, não me integro mais. Volto pra casa andando na noite. Pensativa ronda noturna.
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Teodoro Sampaio. Chove. Olho pra janela disposta no cômodo superior a uma loja de sapatos. Fechada. Dentro dela acontece o Sarau do Caixote. Fico tenso por saber do acontecimento, embora poucos o saibam. No cômodo escurecido cerca de trinta pessoas espalhadas em tapetes e almofadas. Um pequeno caixote no centro onde poetas se apresentam livremente. Tá cheio, mas confortável: me encaixo num canto. A poesia organicamente decorada na semana. Não ouço quem levanta aplaudido do caixote e me apresso em ocupar seu lugar, não sei, tudo é imediato e decisivo. Ouço o som da minha própria voz: palavras titubeantes, frases incertas; mas que se avolumam até conquistarem frequência estável, e no final emocionada. Saio envaidecido mas tento me concentrar na performance dos outros. Na maioria ansiosos também. Textos criados em solitárias horas luminosas agora expostos de maneira constrangida. Mas com sentimento, ritmo. Sugestões ideológicas com as quais me identifico. O que parecia constrangimento agora soa como união de poetas, ou modo de vida radical.
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Porão do Samambaia Bar&Lanches. Tenho me ligado numa coisa. Gosto de andar na rua e observar as pessoas. Ultimamente tenho notado uma coisa. Um comportamento importante. Vital. Às vezes ando na rua e observo pessoas com as quais me identifico. Uma roupa desproporcional, um andar calmo, Nouvelle Vague, um falar excitado. O fato é que algumas delas também me sacam e tentam alguma forma de comunicação. Eu correspondo, embora de maneira ainda tímida. Meu contato com os frequentadores do Samambaia segue essa linha. Depois de algum tempo fomos pro porão. A conexão feita da maneira mais intuitiva: fluxo de consciência, guitarra distorcida, sintetizador atonal, arte vídeo, gritos.
O porão é uma saleta involucrada de cimento. Cheira à construção. A lâmpada encapada com plástico vermelho dá um clima de subsolo, subsolo esfumaçado. Somos cerca de 10 e dividimos espaço com engradados de cerveja, placas e outras coisas de bar. Sentamos bem perto uns dos outros mas ainda estamos tensos como nas preliminares de uma transa sóbria. Ninguém arrisca o primeiro passo, jogamos conversa fora. Mas os corpos e os papos se amaciam, abstraem, afunilam e agora estamos em pé e falamos alto, a guitarra e o sintetizador nos acompanham num tom grave e drogado e quando o silêncio existe a Quel emenda um poema e a guitarra e o sintetizador seguem seguem seguem seguem seguem
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Tô em casa. Só. Aqui me informo sobre o mundo, me revolto. Penso na palavra. Escrita ou oralizada, ambas parecem tentativas desesperadas e fadadas ao fracasso. Ainda sim tentativas e agora leio Capitães da Areia. Paro num parágrafo. O leio de novo. Penso. Leio de novo. Me eletrizo, choro. Leio de novo.
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– Ele disse que eu era um tolo e não sabia o que era brincar. Eu respondi que tinha uma bicicleta e muito brinquedo. Ele riu e disse que tinha a rua e o cais.
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