Um dos maiores autores de romances de espionagem do mundo, John le Carré demonstra em O túnel de pombos, seu primeiro livro de memórias, os mesmos humor mordaz e elegância que aparecem em seus livros. As histórias de sua vida são dignas dos maiores enredos de ficção: empregos que incluem funcionário de embaixada e oficial do serviço secreto – além de escritor, é claro – e viagens pelo mundo em busca de bons enredos conduzem o leitor pela trajetória de Le Carré, que não se preocupa em seguir a clássica narrativa linear das biografias. Já na introdução, o autor explica a opção pelo formato não cronológico e reflete sobre verdade x memória, embora faça questão de dizer que não falseou nenhum evento ou história – apenas “disfarçou quando necessário”.
“Tentei traçar um caminho ordenado pela minha vida em termos de temática, e não cronologicamente, pois, como a própria vida, esse caminho se abriu para a incoerência, e algumas histórias se tornaram o que são para mim: incidentes isolados, autônomos, sem indicar nenhuma direção da qual eu esteja consciente, contar apenas pelo que passaram a significar para mim e porque me alarmam, comovem ou assustam – ou então me fazem acordar no meio da noite e rir bem alto”, explica le Carré.
Em cada um dos capítulos curtos ele narra uma passagem que nos mostra o quanto sua vida e suas experiências estão entrelaçadas a seus livros. Estão lá, por exemplo, as saias-justas que enfrentou com amigos do serviço secreto que não aprovavam o modo como eram retratados na ficção, e a divertida história do dia em que Le Carré e o ator Alec Guinness foram juntos a um coquetel cheio de oficiais – e como muito dali acabou sendo incorporado ao George Smiley que Guinness interpretou no filme O espião que sabia demais.
Le Carré revela também alguns de seus encontros com personalidades controversas: explica como chegou a Yasser Arafat durante as pesquisas para escrever “A garota do tambor” e narra seus encontros com Rupert Murdoch, onde aproveita para contar casos da imprensa britânica. Suas experiências ao lado de correspondentes de guerra estão entre as mais impressionantes do livro. Foi numa dessas, inclusive, em Phnom Penh, no Camboja, que conheceu Yvette Pierpaoli, francesa que ajudava crianças refugiadas durante o regime genocida do Khmer Vermelho, e que acabou inspirando a criação da personagem principal de O jardineiro fiel.
Entre as narrativas estão ainda trechos mais íntimos, como o que explicita a relação complicada com o pai, além de anedotas divertidas sobre passagens do cotidiano. Entre elas, por exemplo, o dia em que Le Carré acompanhou policiais alemães em uma viagem oficial à Inglaterra – e acabou precisando encontrar prostitutas para todos eles – e a experiência de fumar num antro de ópio no fim dos anos 1970 com correspondentes e pilotos em Vientiane, no Laos.
Assim como nas histórias que conta em seus livros, John le Carré mostra aqui que, também na vida, é especialista em identificar os aspectos mais humanos das pessoas em meio às convulsões dos tempos modernos, imbuindo suas histórias de vivacidade, humor e ambiguidade moral.
John le Carré nasceu em 1931 e estudou nas universidades de Berna e Oxford. Deu aula no Eton College e trabalhou no Serviço Secreto britânico por um breve período durante a Guerra Fria. Há mais de cinquenta anos vive exclusivamente de sua escrita. Ele divide seu tempo entre Londres e a Cornualha.
O TÚNEL DE POMBOS
(The pigeon tunnel)
JOHN LE CARRÉ
Tradução: Alessandra Bonrruquer
Páginas: 322
Preço: R$ 54,90
Editora: Record