Marcelo Flecha: Dez mil espectadores!

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Próximo a completar 8 anos em cartaz, o espetáculo Pai & Filho se encontra em curta temporada aqui na sede da Pequena Companhia de Teatro (Rua do Giz, 295, Centro), ontem, hoje e amanhã (sábado, domingo e segunda), às 19h, com uma série de peculiaridades que servirão como fio condutor das micro-reflexões fragmentadas que me proponho na postagem de hoje.

A primeira peculiaridade atravessa a política de preços da Pequena Companhia de Teatro. Depois de quase uma década em cartaz, e 25 apresentações em São Luís, ontem foi a primeira vez que cobramos ingresso para assistir ao espetáculo. Como o nosso posicionamento político assegura a gratuidade de qualquer atividade da Pequena quando for subsidiada com recursos públicos, fica manifesta a aridez de políticas públicas culturais pela qual passa o teatro de grupo do país, e percebemos claramente o quanto essa gratuidade contribuiu para aproximar um público com menor elasticidade orçamentária e, por consequência, que não tem o teatro como hábito. É fácil dizer que tem que cobrar, mas qualquer apreciador de teatro, que cresceu na labuta diária pela sobrevivência, sabe o que é ser privado daquela experiência artística única porque não tem o vintém que separa o quero do posso. Desta feita, o vintém corresponde ao valor de R$ 20,00.

Também é a plateia, peculiarmente, a estrela desta temporada. Na apresentação de ontem conhecemos o espectador de número 10.000! Nilson Carlos Costa, é o nome dele. Levando em conta que o espetáculo Pai & Filho foi apresentado majoritariamente com plateias reduzidas, esse é um número a se comemorar. Para atingir essa quantia, o espetáculo precisou se apresentar 148 vezes, em 62 cidades de 22 estados do Brasil. Um fato desses não podia passar incólume, e o sortudo ganhou um certificado que dá direito vitalício à gratuidade de acesso a qualquer atividade da Pequena Companhia de Teatro, além de um espumante que nos custou o borderô dos três dias de apresentações. A anedota me serve para ilustrar o pensamento primordial do nosso grupo. Não fosse o entendimento da necessidade de nacionalização da Pequena Companhia de Teatro, seria impossível chegar a essa plateia, pois a demanda local por um teatro focado em uma pesquisa de linguagem com menor diálogo como o mercado não possibilitaria atingir esse número de espectadores. Sempre trabalhamos com esse propósito, e durante toda a nossa existência como grupo, procuramos estabelecer o maior diálogo possível com o país, independentemente de projetos custeados, como no caso recente da nossa ida a Mossoró e Natal com o espetáculo Velhos caem do céu como canivetes. É o diálogo com os grupos de teatro do Brasil que assegura a nossa sobrevivência.

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Seguindo com a relação de peculiaridades desta emblemática temporada, é a primeira vez que uma apresentação de Pai & Filho, em São Luís, não tem nenhuma relação com algum tipo de projeto que a companhia esteja desenvolvendo, a não ser o de manutenção independente. O espetáculo – que foi o primeiro do Maranhão a participar do SESC Palco Giratório – sempre esteve referendado pelos principais editais, prêmios, projetos e programas do país; e assim, ocupamos o Centro Cultural BNB, em Sousa/PB, participamos do Viagem Teatral, do SESI, circulamos pelo Programa Petrobras Distribuidora de Cultura, e ganhamos dois Prêmios FUNARTE de Teatro Myriam Muniz – estes, responsáveis pelo maior número de apresentação do espetáculo em São Luís. Essa realidade diz muito do questionamento levantado no segundo parágrafo desta postagem: em tempos de escassez, cortes de verbas, privatização, contingenciamento, mercado, estado mínimo, e toda a sorte de palavras do dicionário neoliberal, a constatação de uma aguda desidratação do teatro de grupo é a prova do eficiente mecanismo de desmonte cultural iniciado recentemente. Com política, sem política, você ainda pode nos assistir hoje e amanhã.

Pai & Filho também concentra 6 Prêmios SATED/MA de Artes Cênicas, nas categorias de Melhor Ator, Diretor, Espetáculo, Produção, Cenário e Figurino. Esse prêmio, tão criticado pela classe, me sugere uma sentença que deve transitar pelo imaginário teatral da cidade: ter prêmio SATED ou não ter, eis a questão. Penso que o prêmio nunca atingiu a potência que poderia ter, como instrumento de celebração anual, como momento de encontro, como reconhecimento dos esforços de produção de uma classe, contudo, o desaparecimento deste supera todas as carências que a sua existência apresentava? Digo, com a extensão do prêmio, ganhamos ou perdemos? Às vezes, quando a crítica não se faz reflexivamente, pode apresentar resultados que não são os mais saudáveis, e o poder desta pode ser devastador. Não estou certo se as críticas que fiz ao prêmio contribuíram para o amadurecimento do movimento teatral maranhense, mas tenho certeza que colaboraram para a extinção do prêmio. Foi o melhor fim?

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E para encerrar o desfile de peculiaridades da curta temporada de Pai & Filho, que abre nosso calendário de atividades para 2018, não poderia deixar de falar do espetáculo em si. Venha ver. Vale a pena ver atores como Cláudio Marconcine e Jorge Choairy. Depois de oito anos em cartaz, vale a pena ver o quanto essas personagens se apropriaram da cena, o quão integro está o vigor e o frescor da ação; vale a pena ver o quanto um espetáculo vive, amadurece e se transforma com o tempo, mesmo que não se mude uma vírgula.

MARCELO FLECHA

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