
Portrait Of Suzanne Hoschede With Sunflowers (1890), de Claude Monet
a Márcia levantou por acaso, pra pegar um copo d’água. quando entrou no quarto do filho
foi só pra checar
a respiração dele
que dorme sempre tão profundo quando ela viu uma barata
bem na cara do menino: gelou.
a Márcia era mesmo muito abençoada, que timming, ela podia estar dormindo mas conseguiu ver a barata, graças a deus. foi pegar uma toalha, qualquer coisa, não ia enfiar a mão assim no bicho
não encontrou o que precisava, estava nervosa, acabou voltando pro quarto com um rolo de papel alumínio.
se aproximou do berço
pé ante pé
a barata era maior que o rosto do seu filho.
pensou então em, sei lá, fazer uma luva
com o papel
assim ela já jogava aquela praga janela abaixo
foi quando a barata levantou
a asa
pra mostrar que poderia
voar a qualquer momento
e o pior, para onde quisesse, por exemplo dentro da boca do bebê.
a barata sorria – aquele som intragável que fazem os insetos.
a Márcia tentou pensar rápido
mas bem na hora
seu bebê maldito seja
acordou
e viu
algo inédito até mesmo para pessoas bem mais velhas do que ele: uma barata de baixo pra cima
e quem? poderia culpá-lo
o pobre começou a chorar.
NÃO!, a Márcia gritou prevendo
a tragédia
e
no instante em que a barata levantou seu voo
a Márcia deu o rolo na fuça do bicho: pegou no nariz
do bebê que era
puro espanto, nunca tinha visto
a mãe daquele jeito e a barata ainda viva, musculosa rumo a boca. a Márcia deu outra cacetada, Cuidado!, e outra
teu bebê, mulher, tá embaixo!
o rolo parecia um taco
de beisebol até que
tudo virou
silêncio.
pronto.
agora sim
eu posso dormir.
meia hora depois a enfermeira entrou no quarto.
cobriu a paciente com uma manta,
era noite fria.
depois tirou
o boneco do chão, apertou pelos lados a cabeça e
ficou assistindo
o ar devolvendo
volume pro plástico mais uma vez.
★★★★★★
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★★★
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