Toda poesia se faz em tempo de crise. O que não se define de antemão é se a crise é do sujeito ou da sociedade
– Wilson Alves-Bezerra
Para mim, falar do livro O Pau do Brasil (Editora Urutau, 2ª ed. ampliada, 2018), do poeta Wilson Alves-Bezerra, é uma tarefa árdua por dois motivos. O primeiro é que a comédia pastelão protagonizada pelos políticos brasileiros e que serve de inspiração para o livro ainda causar um mal estar, não só por esses fatos recentes serem recentes, mas por ainda estarem se desenrolando e apontando para um final de extremo mau gosto. O segundo motivo é que eu tenho uma grande dificuldade com a poesia. Juro que quando tenho que analisar um poema entro em desespero por não conseguir desvendar as magníficas metáforas, as extraordinárias imagens líricas e a sintaxe hermeticamente perfeita que os poetas canônicos se orgulham tanto de terem construído. Mas, graças a Oxóssi, Wilson opta pela prosa poética e por uma linguagem mais palatável, única forma que ele sabe escrever e da qual tenho mais proximidade. Soma-se isso ao fato de a crise política e social, abordadas pelos poemas d’O Pau do Brasil, impactar tanto nossas vidas atualmente e, ao lermos as rimas indignadas do autor que refletem a indignação que sentimos, somos obrigados a dar pelo menos um triste sorriso amarelo de cumplicidade.
A primeira leva de poemas que compõem o livro O Pau do Brasil (que estão nos capítulos ‘Terra em Transe, ‘História do Brasil – Período Contemporâneo’ e ‘O Fim da História e o Último Homem’) foram psicografadas em uma semana, do dia 11 de abril, data de aprovação do relatório do impeachment de Dilma Rousseff, até o dia 18 de abril, um dia após a votação do processo de impeachment da presidenta, onde foi consumado o golpe político que nossa democracia sofreu. Coube ao editor Tiago Fabris Rendelli fazer das tripas coração para lançar a primeira edição um mês depois da conclusão dos poemas. Em verdade, esses poemas foram a resposta que Wilson conseguiu dar para todo o caos em que vivemos, uma tentativa de traduzir os anseios que torturam o espírito de nossa sociedade.
Repararam que até aqui eu utilizei vários verbos conjugados no presente, como ‘sentimos’, ‘vemos e ‘vivemos’? Esse é um dado muito importante para entender essa segunda edição ampliada d’O Pau do Brasil, afinal, como já disse acima, os fatos que motivaram a primeira edição dos poemas ainda estão se desenrolando, sendo assim, numa tentativa de intervir na realidade com sua obra, Wilson se vê na obrigação de acompanhá-la, compondo uma “obra em progresso para dialogar com um país em retrocesso”, como afirmou na cerimônia de lançamento na cidade de São Carlos-SP. Ou seja, com tantas estripulias no mundo político, dignas de um filme de terror trash, podemos esperar por uma terceira edição mais ampliada ainda!

Wilson Alves-Bezerra (Foto: Paulo Ninja)
O Pau do Brasil abre com o capítulo ‘Terra em Transe’, fazendo uma alusão ao filme de Glauber Rocha. Lançado no ano de 1967, o filme retrata de maneira difusa e inebriante o país fictício de Eldorado, lugar assolado pela imoralidade social, pelo descaso e pela corrupção dos políticos, seja com o déspota Porfírio Diaz, seja com o populismo de Felipe Vieira, servindo dessa maneira como uma grande sátira ao Brasil do começo da ditadura militar dos anos de 1960 e, por que não dizer, de toda a América Latina. Tomo a liberdade para dizer que o filme ‘Terra em Transe’ também serve como um fio norteador para todo o livro O Pau do Brasil, pois vemos em seus poemas uma grande sátira de nossa sociedade, trazendo a difusão dos nossos dramas e perversões morais/sociais, dos nossos medos e do nosso crescente ódio, em suma, apresentando nossa “orgulhosa pátria de ratos no cu.”
Nos capítulos ‘História do Brasil – Período Contemporâneo’, ‘História do Brasil – Período Extemporâneo’, ‘Relato em Três por Quatro’ e ‘Tragédia e Farsa’, o poeta recupera declarações, cartas e documentos produzidos pelos medíocres e grandiosos atores de nossa amarga história recente, dando a esses relatos um estatuto de poesia, tal qual o fez Oswald de Andrade no capítulo ‘História do Brasil’, de seu livro Pau Brasil (Globo Editora, 2003). Aliás, Pau Brasil de Oswald de Andrade é uma clara referência para O Pau do Brasil, tanto no título, quanto na capa da primeira edição, além das temáticas dos poemas. Aqui cabe citar algumas outras referências para Wilson como Roberto Piva, Cláudio Willer, Charles Baudelaire e James Joyce (pesadelo dos tradutores e utopia estética dos autores), que são a bagagem literária que o poeta sempre tem na mão na hora de escrever.
Em ‘Terra em Transe’, ‘O Fim da História e o Último Homem’, ‘Textos do Inferno’ e ‘Não Ninguém Nunca’, acompanhamos a leitura do mundo através do olhar do Poeta que se revolta com os rumos conservadores que a sociedade toma, tenta compreender o absurdo com ares ficcionais da realidade, ironiza a prepotência dos políticos que golpearam a democracia, fica perplexo com a inércia da população que antes rugia a mando dos meios de comunicação tradicionais e expõe seu medo diante de um futuro incerto e tenebroso. Para exemplificar melhor, deixo que o Poeta fale: “(…) Um ministro cai, outro ministro sai, um ministro fede. Nas ruas ninguém se mexe. Um pintassilgo repousa entre o lábio e a lábia do acusado. Nem um pio. Cisnes indecisos no espelho d’água bicam profundas plumas de titânio. O presidente indignado desfilava num andor, suas asas derretiam, suas entranhas devoravam, suava. Pisava duro, os ossos enfarinhados. Até que. Apesar de. Vê-se tudo pela fresta dos escudos da guarda, entre bala e bala. (…)”
Na primeira edição do livro temos uma adjetivação muito interessante para O Pau do Brasil: “POEMAS URGENTES”. Essa urgência dos poemas fez com que Wilson buscasse diversos meios para fazê-los circular, que vão da internet, nas redes sociais, aos muros que aceitam se transformar em outdoors poéticos. Uma anedota relevante para contar aqui foi que na cerimônia de lançamento em São Carlos, quando questionado se seus poemas são panfletários, graças ao teor político (termo normalmente utilizado para depreciar algumas obras literárias), o poeta rebateu que se um panfleto é algo que circula e traz uma mensagem que precisa ser lida, então ele quer que seus poemas sejam um panfleto. Mas assume que enquanto escrevia era atormentado pela ideia de sua obra já nascer como um mero panfleto datado, “depois eu parei de pensar nisso e continuei escrevendo”, conclui em tom brincalhão.
Os poemas de Wilson surgem como palavras em ação, exercendo sua função de questionar e criticar a sociedade. Temos em O Pau do Brasil uma representação ácida da história recente do nosso país, em toda a sua perversidade e contradição, igual ao que fez Oswald de Andrade com o seu Pau Brasil, em 1925. Talvez estejamos diante de um novo clássico da literatura para os que se indignam com os rumos que a política brasileira tomou nesses últimos anos. Se for esse o caso, o tempo dirá.
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