
Arte de Gustav Klimt
eu corria pelo pátio, fugindo dos marimbondos
e do sol
em busca do melhor lugar pra tomar meu lanche com a Giovana que nunca queria
tomar lanche comigo, eu gostava dela
-é isso
que me assusta.
-o que?
-teu jeito.
e fugia, me deixava plantada
comecei a entender as árvores a partir dali.
então eu procurava
sozinha mesmo
um lugar, quando encontrava estendia meu pano, depois me servia de suco tomando cuidado pra não derramar. desembrulhava a bisnaguinha
muito macia
antes da boca eu encostava o pão na bochecha.
comia maçã também
mas comia bestamente
porque na terça eu mordi uma em sala de aula, estava chovendo e tínhamos que tomar lanche no coberto, então um menino chamado Guilherme me olhou com nojo e estragou pra sempre
meu momento com as maçãs.
*
depois das férias de julho,
entrou um aluno novo na escola. ele chamava Fernando
cheirava a talco
e não tinha amigos, como eu.
acontece que o Fernando só não tinha por ser novo
meu caso era outro, as crianças me odiavam
mas pelo menos durante esses
primeiros dias
eu e ele éramos tão sós quanto possível
me apaixonei.
então no pátio
ao invés de marimbondo
ou Giovana
eu comecei a correr ao lado do Fernando de um jeito discreto e como eu era invisível ficava fácil, o plano estava indo muito bem.
me sentia a mulher maravilha
linda fazendo a coisa certa
com espada e
botas altas.
*
até que um dia eu me distrai tanto com as nossas solidões correndo lado a lado que acabei trombando
com uma pedra
fiquei completamente sem ar.
tentei me levantar,
não conseguia
foi nessa hora que o Fernando fez amigos
porque ele riu de mim primeiro
dando coragem pros outros rirem também.
aquilo durou muito
muito tempo.
quando as crianças cansaram (chega uma hora que tudo cansa mesmo)
eles começaram a conversar com o Fernando
que era de Lisboa, pelo que escutei, gostava de jogar futebol.
em menos de 5 minutos
ele estava no time do Gustavo e do Maurício,
ligou pra casa dizendo que almoçaria com eles
a mãe deixou, ficou contente.
pensei que
se eu ligasse pra minha mãe pedindo pra almoçar com um amigo
ela me diria vem já pra casa larga a mão de ser besta
tem roupa
no tanque, louça
na pia
o sinal tocou.
as crianças foram voltando
pra sala
-Teca? – o inspetor me disse, estendendo a mão. –você se machucou?
-muito
-deixa eu ver.
levantei devagar e
nenhum sangue.
★★★★★★
Leia os textos anteriores da escritora Aline Bei
★★★
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