
Mundo Bonito, de René Magritte
não pretendo ficar olhando pro céu o dia todo, preciso talvez só de mais cinco minutos, alguma coisa no chão me dando forças, penso que o próprio chão com suas camadas debaixo da terra ou seja: ainda não é o fim.
não quero morrer, apesar que tenho começado
a compreender os suicídios, a vida está com as mãos
na minha garganta
termine, grito
ela não me escuta
a vida tem um tempo próprio
e muito lento.
está difícil, desabafo com frequência
me surpreendo com essa minha vontade de
ora conversar com estranhos
ora não falar
com ninguém.
o que eu gostaria mesmo era de ter muita gente morando em bonecos no meu peito
pra toda vez que eu me sentir sozinha
tirá-los de mim e
criar cenas entre eles.
não tem motivo pra você ficar tão triste, me dizem, sua vida está indo muito bem.
sim, mas por dentro. tem algo acontecendo dentro de mim despedaçando o que já acontecia, esse movimento não tem deixado espaço pra eu ser a mesma de antes, alegre, distraída, se continuar nesse ritmo chego a ficar com medo
do tempo
acima do medo da morte.
vou seguir deitada aqui na grama por mais alguns minutos,
experimentar desistir.
de que eu não sei, morrer está fora de cogitação.
se o céu fosse verde e as árvores azuis, as coisas seriam melhores?, as cores tem o poder de mudar nosso estado de espírito? a casa que moro. o estalo do taco, especialmente em dias frios. o que seria da janela sem o vidro? uma violência, o clima não perdoa nem o sono,
onde estão as pessoas que eu ainda vou conhecer?
ontem mesmo
conheci algumas, não percebi porque estava pensando nas pessoas que ainda vou conhecer.
-tem qualquer coisa muito errada comigo. – repito para uma amiga
mas ela não quis saber. disse que eu devia ter atendido o telefone
a porta
a pele
que eu pareço um fantasma de tanto que eu sumo
e assim as pessoas vão se dissolvendo
na minha frente
vou perdendo quem gosto e assisto tudo
com uma clareza absoluta: meus amigos ou as possibilidades de amigos
desistindo de mim cada um à sua maneira
e eu não faço nada
pra que isso mude
quero meu mal e não quero
morrer.
★★★★★★
Leia os textos anteriores da escritora Aline Bei
★★★
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