Aline Bei: Nunca mais se viram

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Pablo Picasso, Acrobata (1930)

 

estavam frente a frente

mas já não estavam ali no restaurante da rua 12 onde no começo tudo se resolvia num abraço, agora as conversas

facilmente viravam gritos, ninguém queria

carregar a culpa

uma vez ela jogou a taça de vinho

em direção a cabeça dele

não acertou por pouco, o rubro espalhado pelo chão e parede foi

simbólico, o fim

está próximo, ela pensou se sentindo triste

 

este almoço

 

sem dúvida estava mais calmo do que isso, ambos sabiam

que a relação se tornara

insustentável.

ele dormiu na casa de um amigo a semana toda

e assim sem a companhia um do outro eles conseguiram

se acalmar, mas

não estavam ali

na mesa frente a frente, estavam

no passado, ela principalmente

e no futuro, ele

especialmente.

 

-quem vai ficar com o Fred? – a mulher perguntou.

 

a gente pode fazer guarda compartilhada.

 

-não, eu não quero.

 

-por que?

 

-não quero ficar te vendo toda semana.

 

como você dificulta as coisas.

 

-deixa eu ficar com o Fred.

 

-eu também preciso dele.

 

-então tá,

então me tira mais isso.

 

-eu não quero te tirar nada, marina. estou propondo uma guarda compartilhada

algo super natural e saudável de se fazer, você leu o e-mail que eu te mandei?

 

-ah claro. e eu tenho que ficar vendo sua cara toda semana.

 

-você não sabe conversar.

 

desaprendi com você.

 

-nada é culpa sua, né? impressionante.

 

quem decidiu ter um caso com a secretaria não fui eu.

 

-eu não tive caso com ninguém.

 

ela que me disse, bruno, me escreveu uma carta. a menina não tem motivo pra mentir.

 

vamos tentar ser objetivos, você consegue? ser objetiva pelo menos uma vez na vida?

 

ela o olhou com raiva.

 

-você pode ficar com o apartamento. eu vou ficar na casa do meu amigo por enquanto.

 

-por que você não vai morar com ela de uma vez?  tem medo de emendar um relacionamento no outro?

 

-você não para.

 

você quer ficar solteiro, né? não quer se comprometer. faz bem, covarde, melhor do que ficar arrumando um caso em cada esquina.

 

-o que eu faço ou deixo de fazer não é mais da sua conta, entendeu?

 

eu quero ficar com o Fred, além do apartamento.

 

não, nem pensar. ou guarda compartilhada ou

 

-deixa eu ficar com o Fred, Bruno.

 

ele ficou pensando

que agora na casa do amigo seria mesmo complicado

levar o cachorro

ele tinha que arrumar um lugar primeiro

e enquanto isso

ela ia se acalmando

Ceder

lhe pareceu uma estratégia.

 

-tudo bem. pode ficar com o Fred.

 

ele esperava que ela fosse lhe agradecer

com um sorriso, pelo menos, mas a marina não esboçou nenhuma reação.

pediu a conta,

cada um pagou o seu.

 

levantaram da mesa.

 

na porta do restaurante

se despediram friamente.

 

ele subiu

a rua 12 e acendeu um cigarro

acenou também para um conhecido

dono da loja de discos, passa lá amanhã.

 

ela desceu

a avenida 7

 

mão no bolso e

chorando, preferia ter esperando chegar em casa, mas

não conseguiu.

aline bei

 

Leia os textos anteriores da escritora Aline Bei 

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