
Arte de Pavel Filonov
a turma se acomodou no balcão, alguns ficaram de pé. eu não sabia nada sobre eles, se chegaram juntos ou
há quanto tempo se conheciam
pareciam íntimos, isso é certo, mas sabemos que essas proximidades dentro de um grupo enganam bem. se você separar o todo
e aleatoriamente escolher
um e outro
pra sentar olhos nos olhos
conversar, sobre o que for
então eles
ficarão mudos,
tensos
precisariam da volta do grupo pra se recompor.
na época da faculdade eu também fui assim. éramos muitos e riamos juntos, ficávamos corajosos e bonitos subindo e descendo a rampa com nossos livros e xerox, nossos sonhos. nunca mais atingi algo parecido na vida, nunca mais me senti tão bem ao redor das pessoas,
agora prefiro sair sozinha, sinto medo de marcar encontros e não ter nada pra dizer
medo
do silêncio desmascarando o que há de mais terrível em mim bem na frente de alguém A testemunha,
quando eu tinha amigos
essas coisas não pesavam, depois que a turma se dispersou algo se perdeu também em mim. talvez a inocência
e vontade de flertar
não só com pessoas, com a vida, quando eu tinha uma turma eu me sentia alguém. por isso entendo
esse grupo de amigos, aqui do canto assistindo o jogo eu compartilho
da felicidade deles
levanto o copo
um brinde a vocês. foi quando me desceu
um coágulo de sangue
lembrei que preciso
me trocar em breve
abro a bolsa e vejo
se ainda tenho absorvente
de repente eles riram, a turma de amigos
alguém contou uma piada
porque eles ficaram rindo por um bom tempo
apoiando cabeças e testas
nos ombros uns dos outros. pouco depois o time da casa
fez um gol na televisão
e os garçons se juntaram
ao redor
de uma mesa
cantando parabéns com um bolo nas mãos. fechei os olhos por alguns instantes.
imaginei que pelo menos o aniversário era meu.
★★★★★★
Leia os textos anteriores da escritora Aline Bei
★★★
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