A bordo de um Opala, dois irmãos — Belmont e Maurício — cruzam as estradas do Espírito Santo à procura de um carro: um antigo Maverick que pertenceu ao pai deles, Ramiro. Embora tenham pouco apreço pela figura paterna, o velho carro é impregnado de memórias afetivas da infância. De Terra Vermelha, em Vila Velha, embarcam numa jornada pelo interior do estado (e de si mesmos). Esse é o ponto de partida do novo livro de Saulo Ribeiro, Os incontestáveis, que será lançado no próximo dia 23 (sábado), na Cousa Bar Café, Centro Histórico de Vitória.
Contemplado em 2017 pela Bolsa de Fomento à Literatura do Ministério da Cultura e com apoio da Lei Rubem Braga, de Vitória, o romance inspirou e foi inspirado pelo longa-metragem homônimo dirigido por Alexandre Serafini (ou Serafa, para os amigos). Isso porque o roteiro do filme foi escrito a quatro mãos por Saulo e Serafa. Contudo, o escritor ressalta tratarem-se de duas obras distintas — ainda que tenham um roteiro de ações semelhante, partindo dos e chegando aos mesmos lugares.
“As obras têm em comum o espírito anárquico e inconformado. Rebelde, revoltado. Os dois irmãos mergulham nos excessos em busca de uma existência menos vazia, entediada, mas sem saber exatamente o que fazer. Uma visão de mundo particular, mas recheada de pesadelos comuns a todos nós. São obras aparentemente simples, mas muito ricas metaforicamente. O escritor e pesquisador Alexandre Moraes chama a jornada dos irmãos de cosmoviagem”, afirma Saulo Ribeiro, que a partir de julho leva Os incontestáveis para outras cidades e estados, dentro do circuito nacional de autores do projeto Arte da Palavra, do Sesc.
Três mil quilômetros
Antes da parceria que deu origem ao filme, Saulo Ribeiro já vinha trabalhando em um romance de estrada. Tinha percorrido, aproximadamente, três mil quilômetros de moto tomando notas. E o título provisório era Três mil quilômetros. Paralelamente, ele e Serafa cogitavam produzir um documentário ou uma ficção sobre o Contestado capixaba.
“Uns amigos faziam uma paródia dos Passos de Anchieta, chamada Os passos de Udelino, indo a pé de Ecoporanga a Cotaxé, local onde o homenageado criou um estado independente nos anos 50. Eu e Serafa juntamos as duas coisas. Destruímos o romance inconcluso e empacado para criar o roteiro do longa. Roteiro pronto, mergulhei novamente no romance. Depois de uma série de viagens a Cotaxé e da participação nas várias edições do Seminário das Humanidades, evento que nasceu da caminhada maluca dos meus amigos, o romance foi ganhando elementos, estrada. É um processo de cinco anos, ou seja, o filme ficou pronto antes do livro.”
Um dos panos de fundo do romance, a criação provisória do estado União de Jeovah pelo líder messiânico Udelino Alves de Matos, nos anos 50, é um episódio quase desconhecido na historiografia brasileira. Porém, mais do que dialogar com a história do Espírito Santo, Os incontestáveis a subverte, cria sua trama livremente, conferindo a ela contornos surrealistas. “No romance eu transformo pessoas e autores importantes para compreender o conflito em nomes de rua ou personagens, uma espécie de bibliografia camuflada. Mas eu não tenho nenhum compromisso com a história, com os fatos. Isso é a tarefa dos historiadores. Sou um escritor. Estou escrevendo sobre o presente e sirvo-me do passado para compreender o meu tempo.”
O primeiro contato de Saulo com o Contestado foi por meio do romance Cotaxé, de Adilson Vilaça. Isso quando estudava História na Universidade Federal do Espírito (Ufes). Com o tempo, ele foi lendo outras publicações e viajando muito pela região — terra de sua infância, onde cresceu. “O Espírito Santo tem uma história fascinante. O norte, apelidado carinhosamente por Bernadette Lyra de Capitania Perdida é impressionante. Sou de Pedro Canário, divisa com a Bahia, cresci ouvindo aquelas histórias de fronteiras, mata derrubada, homens calados e armados”, ressalta o escritor.

Saulo Ribeiro (Foto de Nicolas Soares)
Saulo Ribeiro nasceu em 1977, publicou o livro de contos Diana no Natal (2010), a novela Ponto Morto (2010; segunda edição em 2014), além das dramaturgias Cárcere (2009) e Corpo de delito & Rip e Cal (2013). Cresceu em Pedro Canário e vive entre Vitória e Piúma, Espírito Santo. É escritor, roteirista e editor de livros.
Os incontestáveis
Saulo Ribeiro
Coedição: Cousa e Patuá
138 páginas, R$ 30
Lançamento dia 23 de junho (sábado), das 18h às 22h
Cousa Bar Café, Rua Sete de Setembro, 415,
Centro Histórico de Vitória
(show com Salsa Brezinski & Agência de Viagem)